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INTRODUÇÃO
O
objetivo do presente trabalho é o de demonstrar a
vinculação das relações jurídicas
dos empregados, em especial dos diretores, de empresas
estatais, também, às normas de Direito público,
para verificar-se a incidência dos ditames
constitucionais sobre limites de remuneração
desses agentes públicos.
Sobre
a aplicação do teto constitucional às
remunerações dos empregados de empresas
estatais em geral, não há maiores estudos da
parte da doutrina administrativista tradicional, mas a
Suprema Corte e o egrégio Tribunal Superior do
Trabalho - TST já se manifestaram a respeito da
matéria, concluindo pela incidência dos
dispositivos constitucionais, embora sob divergência.
Nesse
sentido pretende-se examinar a natureza das relações
jurídicas mantidas entre essas entidades e seus
empregados, em especial com os seus diretores, que é o
tema do presente estudo, para verificar se se tratam de
relações jurídicas comuns, como as das
entidades particulares, ou se, ao contrário,
constituem categoria específica de agentes públicos,
sujeitos, portanto, às regras de Direito público,
também, a despeito a subordinação
genérica ao Direito privado, estabelecida pela
Constituição Federal.
Para
isso, faz-se necessário, primeiramente, identificar a
natureza das atividades desenvolvidas pelas empresas
estatais, assim entendidas as empresas públicas e as
sociedades de economia mista, buscando-se demonstrar a sua
subordinação jurídica aos ditames do
Direito público, em vista de divergências a
respeito de seu regime jurídico, o que facilita,
muitas vezes, a sua utilização para fins que
não atendem ao interesse da coletividade.
Fundadas
as bases da discussão, de que as empresas estatais
desenvolvem atividades públicas, sujeitando-se a
regras de Direito público, e de que os seus empregados
constituem espécie distinta de agentes públicos,
passa-se a verificar o ordenamento jurídico envolvendo
o vínculo de emprego, levando-se em conta, sobretudo,
o fato de que a regência pela Consolidação
das Leis do Trabalho - CLT não iguala tal categoria de
agentes públicos aos trabalhadores comuns, porque a
legislação consolidada é aplicável
a diversas categorias de trabalhadores, inclusive a
servidores públicos, e, de outro modo, há
diversas categorias de trabalhadores privados, como os
autônomos, os eventuais, os rurícolas, os
temporários, os domésticos, que não são
submetidos às regras da CLT.
Colocada
a questão sobre a vinculação dos
empregados de empresas estatais, surge o debate atinente ao
tratamento dispensado pela legislação, pela
doutrina e pela jurisprudência a respeito da condição
jurídica do diretor de empresa, partindo-se, depois,
para a discussão sobre a forma de nomeação
dos diretores e sobre possível ocorrência de
acumulação de empregos públicos,
exigindo, assim, a abordagem da matéria, à luz
da Constituição Federal e da legislação
infraconstitucional aplicável.
Outro
aspecto abordado no presente estudo diz respeito à
possibilidade de incorporação, pelo diretor de
empresa estatal, da remuneração percebida pelo
exercício do cargo.
Nesse
ponto, importante a distinção entre o diretor
de empresa estatal que já mantém vínculo
de emprego com a própria entidade, daquele já
submetido ao regime estatutário de trabalho e daquele
que não se relaciona, sob quaisquer formas, com o
serviço público.
Após
as verificações necessárias sobre os
pontos mencionados anteriormente, passa-se ao exame da
situação jurídica do diretor de empresa
estatal no que se refere aos poderes a ele conferidos,
sobretudo, porque atua como agente delegado da autoridade
administrativa Chefe do Poder controlador da empresa estatal.
Disso decorre que não se pode extrair poderes próprios
de administrador particular de delegação feita
por autoridade submetida a normas de Direito público.
À medida das conclusões alcançadas,
faz-se o cotejo das diversas situações
identificadas com os ditames constitucionais aplicáveis
à espécie, o que exigirá abordagem de
cunho constitucional, trabalhista e administrativista, a
respeito dos direitos e obrigações envolvendo a
figura jurídica representada pelos diretores de
empresas estatais, para estabelecer-se a sujeição
dessa relação de trabalho às regras
constitucionais próprias dos agentes públicos
em geral.
Toda
a discussão busca responder à seguinte
indagação: a remuneração de
diretores de empresas estatais sujeita-se aos limites
constitucionais?
Para
tanto, pretende-se experimentar algumas hipóteses
lógicas sobre o tema, na forma que se segue.
Se
as empresas estatais desenvolvem atividades públicas,
sendo, portanto, entidades públicas, embora regidas,
também, pelo Direito privado, então, não
se pode desconsiderar a sua subordinação ao
Direito público.
Se
existem diversas categorias específicas de
trabalhadores, inclusive servidores públicos, que,
assim como os empregados de entidades paraestatais, são
regidos pela CLT, e se, por outro lado, a CLT não é
aplicável a várias outras categorias de
trabalhadores privados, então, ser regido pela CLT não
significa ser trabalhador comum da iniciativa privada.
Se,
pela natureza das atividades desenvolvidas pela empresas
estatais e pela situação peculiar de seus
agentes, os empregados de empresas estatais constituem
categoria especial de agentes públicos, que, apesar de
regidos pela CLT, submetem-se, também, a regras de
Direito público, então não vigora para
essas entidades, de forma indiscriminada, o princípio
de liberdade de ação, dentro da lei, próprio
dos empreendimentos privados, mas, sim, o princípio
decorrente do Direito público, de que a lei e o
interesse público são os elementos norteadores
das atividades do Estado.
Se
o funcionamento das entidades estatais está vinculado
ao que disciplinam a lei e o interesse público e se o
mandato de seus diretores são precários e
temporários, podendo, inclusive, ser demitidos ad
nutum pela autoridade que detém os poderes de
nomeação, então, não se pode
admitir o pagamento de remunerações ao talante
de seus administradores.
Se
o poder da autoridade que detém a prerrogativa de
nomear e exonerar, direta ou indiretamente, o dirigente de
empresa estatal está circunscrito por normas de
Direito público, então, muito mais razão
há para entender-se que o agente delegado dessa
autoridade também não possui liberdades
irrestritas de atuação.
Se
as remunerações dos empregados de empresas
estatais estão condicionadas a regras de Direito
público, então, essas regras somente podem ser
buscadas na Constituição Federal, que
disciplinam o funcionamento da Administração
Pública como um todo.
A
fundamentação teórica do presente estudo
é baseada na mais conceituada doutrina brasileira,
utilizando-se as obras de Sérgio Pinto Martins e
Amauri Mascaro Nascimento para discutir-se a condição
do diretor de empresa, à luz do Direito do Trabalho,
em vista da diversidade de teorias sobre o assunto, de modo a
afastar-se a aplicação do entendimento de que o
administrador de empresa estatal seria simples mandatário,
regido pelo Direito privado.
Os
aspectos constitucionais e administrativistas do assunto são
fundamentados nos renomados doutrinadores Celso Antônio
Bandeira de Mello, cuja teoria sobre a essência das
empresas estatais é de fundamental importância;
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que apresenta tese de
incidência de normas de Direito público sobre as
entidades paraestatais das mais consistentes; Lúcia
Valle Figueiredo, com abordagem precisa a respeito da
vinculação das empresas estatais aos princípios
que regem a Administração Pública como
um todo; Hely Lopes Meirelles, cujos traços vêm
sendo seguidos por vários anos, a despeito de seu
falecimento.
Além
dessas obras, buscaram-se importantes informações
a respeito da evolução da Administração
Pública brasileira, em especial, as reformas
implementadas ao longo dos anos, no trabalho desenvolvido
pelo prof. Marcos Bemquerer Costa, quando da defesa de sua
tese de mestrado, abordando o regime jurídico das
empresas estatais após a EC n° 19/98.
Importantes
contribuições foram extraídas de estudo
do prof. Sérgio de Andréa Ferreira, constante
da Revista de Direito Administrativo, suprindo-se, assim, a
carência de debate da doutrina tradicional sobre o
tema; da obra do prof. Francisco de Assis Alves, tratando das
novas figuras de atuação do Estado introduzidas
pela EC n° 19/98.
Naturalmente,
não se pode olvidar das decisões judiciais
sobre os assuntos em debate, pois constitui a jurisprudência
importante fonte de referência dos diversos estudos
desenvolvidos na solução de questões
jurídicas controvertidas, sobretudo, em se tratando da
imprecisa fundamentação da situação
jurídica das empresas estatais.
A
metodologia empregada consiste em suscitar cada tema a ser
estudado, passando-se a apresentar os ensinamentos já
existentes, mediante transcrição das obras
pesquisadas, das decisões judiciais envolvendo o
assunto, com breves abordagens interpretativas baseadas,
também, na experiência profissional do autor do
presente estudo.
Essas
são as diretrizes da presente monografia, cuja
expectativa não é esgotar o assunto, mas,
apenas, levar ao conhecimento dos interessados um breve
estudo sobre o tema proposto.
2
ORIGENS DAS ESTATAIS
O
surgimento das empresas estatais deu margem a infindáveis
discussões a respeito de sua conceituação,
de seu regramento legal e de sua situação
jurídica.
Para
melhor colocação do assunto, expõe-se a
seguir o estudo desenvolvido por Costa (2001), no qual
apresentou escorço histórico sobre a
intervenção estatal na economia, destacando o
agravamento das desigualdades sociais advindas da Revolução
Industrial, a influência da teoria de Karl Marx e
Friedrich Engels, a Revolução Russa e outros
fatos históricos importantes, que fizeram surgir o
Estado de bem-estar social (welfare state), em contraposição
aos valores liberais então em voga no início do
século passado.
Cita
como balizas dessa intervenção econômica
do Estado as Constituições do México
(1917) e da Alemanha (1919), surgindo, assim, a possibilidade
de exigência, com base no Direito positivo, de
prestações pelo Estado. Outra referência
trata da depressão americana de 1929, levando o Estado
a promover intervenção econômica sem
precedentes, com base nas teorias de John. M. Keynes.
Ainda
de acordo com o citado autor, no Brasil, várias
reformas do Estado foram implementadas, desde a época
do Império, até os dias atuais, destacando-se
as principais:
a)
"reforma burocrática" de 1936;
b)
a "reforma desenvolvimentista" de 1967 a 1969;
c)
a mini reforma ocorrida com a Constituição de
1988; e
d)
a "reforma gerencial" surgida com as Emendas
Constitucionais n° 5/95 e 20/98.
Interessam
mais de perto para o presente trabalho as considerações
quanto às origens das empresas estatais brasileiras, a
partir dos anos 30, fazendo surgir o Estado empresário.
Veja-se:
O fenômeno da criação
de empresas pelo Estado como forma de descentralização
administrativa e de exercício de atividade econômica
não é antigo. Todavia, surge mais fortemente
como integrante do contexto de intervenção
estatal no domínio econômico a partir da
Primeira Guerra Mundial (Ferreira, 1979a:70).
Os antecedentes históricos
são apontados como os monopólios estatais da
Antigüidade, inclusive no Império Romano. Mais
recentemente, as empresas constituídas pelo Estado,
visando um fim econômico, tiveram como inspiração
as companhias coloniais holandesas e portuguesas, que nos
séculos XV e XVI corporificavam investimentos da Coroa
destinados a alcançar, através da conquista dos
mares e terras desconhecidos, novas fontes de suprimento para
mercados europeus (Tácito, 1973: 55).
Foi, entretanto, o fenômeno
da intervenção estatal no domínio
econômico que realçou o problema dos serviços
industriais e comerciais do Estado e de sua estrutura
jurídica, inspirada nos paradigmas do direito privado.
Ampliando a atividade
administrativa, antes reservada a campos tradicionais, o
Estado a invadir, em nome de interesses públicos
relevantes, uma esfera tradicionalmente ocupada pela
iniciativa privada.
O Estado se converte em um
produtor de bens e em um prestador de serviços,
socializando, no todo ou em parte, categorias de produção
e de comércio.
Começaram a nascer, por
essa forma, novas pessoas jurídicas administrativas,
nas quais a forma é privada, mas o substrato é
público.
Public
corporations na
Inglaterra, government
corporations ou
authorities
nos
Estados Unidos, enti
pubblici economici na
Itália, établissement
publique industriel et comercial na
França são variações de um mesmo
tema (Tácito, 1973: 55).
No Brasil, aponta-se como a
mais antiga empresa estatal o Banco do Brasil, criado pelo
Alvará de 12.10.1808, sendo certo que a Lei n.°
59, de 8.10.1833, criou o novo Banco do Brasil
(Ferreira, 1979a: 70).
Mas o grande impulso das
empresas estatais deu-se a partir de 1939, com a criação
pela União, dentre outras empresas, do Instituto de
Resseguros do Brasil - IRB (1939), da Companhia Siderúrgica
Nacional - CSN (1941), da Companhia Vale do Rio Doce - CVRD
(1942), da Companhia Nacional de Álcalis (1943), da
Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF
(1945), da Fábrica Nacional de Motores - FNM (1946),
do Banco de Crédito da Amazônia (1950), da
Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRAS (1953), da
Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP
(1956), da Rede Ferroviária Federal - RFFSA (1957),
e das Centrais Elétricas Brasileiras S/A -
ELETROBRÁS (1961) - (Tácito, 1994:3).
Até
mesmo estabelecimento hospitalar -
Hospital
das Clínicas de Porto Alegre (1971) -
e
estabelecimento destinado à pesquisa agropecuária
-
Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA (1975) -
assumiram a
forma empresarial.
Os governos estaduais e
municipais também têm criado empresas
governamentais com as finalidades as mais diversas possíveis.
No processo de estatização,
dois fenômenos puderam ser observados. Em primeiro
lugar, a tendência para a transformação
de órgãos da Administração Direta
e autarquias em empresas governamentais, como ocorreu com a
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT,
antigo Departamento de Correios e Telégrafos (1969), e
com a Caixa Econômica Federal - CEF, resultante da
transformação da autarquia de mesmo nome
(1969). Em segundo lugar, a tendência para criação
de empresas por autarquias: a Comissão Nacional de
Energia Nuclear foi autorizada constituir a Companhia
Brasileira de Tecnologia Nuclear.
Do mesmo modo que a concepção
dessas entidades correspondeu a um fenômeno mundial,
também suas deformações ocorreram em
escala internacional. O Estado não foi um bem sucedido
empresário na maioria dos casos. As dificuldades
começaram a se aflorar (Pereira Júnior,
1998:872). Tal decorreu em parte porque a forma de gerir o
Estado projetou-se para as empresas estatais, terminando por
neutralizar muitas das vantagens apontadas para a sua
instituição: competitividade, eficácia.
rentabilidade, e economicidade. Ademais, essas entidades
foram contaminadas por vícios como o subsídio
das tarifas, o nepotismo, a politização dos
dirigentes etc.
No
âmbito do Distrito Federal, são várias as
entidades de mesma natureza, como: a Companhia de
Desenvolvimento do Planalto Central - CODEPLAN (1964), a
Companhia de Águas e Esgotos de Brasília -
CAESB (1969), a Companhia Imobiliária de Brasília
- TERRACAP (1972), a Empresa
de Assistência Técnica e Extensão Rural
do Distrito Federal - EMATER-DF (1978), a Sociedade de
Abastecimento de Brasília S/A - SAB, a Centrais de
Abastecimento do Distrito Federal S/A- CEASA/DF (1971), a
Companhia de Eletricidade de Brasília - CEB (1968).
3
ATIVIDADES DAS ESTATAIS
3.1
PRINCÍPIOS DO ESTADO BRASILEIRO
O
breve histórico feito anteriormente serve apenas para
melhor situar o leitor sobre o fenômeno da criação
de empresas estatais, dando-se ênfase à esfera
federal e ao Distrito Federal, realidades mais próximas.
Nos
termos da Constituição de 1988, a intervenção
estatal na economia pode se dar de duas maneiras distintas:
com a prestação de serviços públicos,
direta (empresas estatais, autarquias e fundações)
ou indiretamente (permissão e concessão de
serviços públicos); e com a produção
de bens de consumo e serviços privados, em
determinadas condições (artigos 173 e 175 da
CF/88), considerando-se a híbrida orientação
principiológica do Estado brasileiro, que dá
destaque a valores liberais, como a propriedade privada e a
livre concorrência, e a valores sociais
intervencionistas como a função social da
propriedade, a dignidade humana e patrimônio mínimo,
a defesa do consumidor, a redução de
desigualdades regionais, a busca do pleno emprego e outros
aspectos que constituem o objeto de estudo do Direito
Econômico (Pariz, 2003).
3.2
CRIAÇÃO E EXTINÇÃO
Nesse
ponto, deve-se destacar que, assim como a criação,
a extinção de empresas estatais constitui
também fato bastante comum, conforme a ideologia do
governante, dando maior ou menor importância à
participação do Estado no desenvolvimento de
atividades econômicas e de prestação de
serviços públicos, ou, mesmo, como instrumento
de reestruturação da Administração
Pública, a exemplo do ocorrido nos anos 90, no governo
Collor; a partir de 1995, no governo Fernando Henrique; no
ano de 1999, no governo Roriz, do Distrito Federal.
Sobre
o tema, discorreu Costa (2001, p. 93) nos seguintes termos:
A distinção
entre atividade privada e pública não resulta,
em principio, da natureza das coisas. Salvo raras exceções,
situadas nos extremos da escala, não há
atividades intrinsecamente privadas nem intrinsecamente
públicas. A eleição de uma atividade
como serviço púbico resulta de um ato de
vontade do Estado: são atividades de serviço
público aquelas que as autoridades competentes, num
dado momento histórico, decidem considerar como tais.
Se o Estado, em algum momento, por intermédio de
autoridades políticas ou administrativas, decide que
determinada atividade é serviço público,
isto significa colocá-la sob a tutela do Estado e
submetê-la a um regime jurídico de direito
público, derrogatório e exorbitante do direito
comum. Considerar uma atividade como serviço público
corresponde à vontade estatal de assumir esta
atividade segundo regime jurídico diverso daquele
aplicável às atividades próprias dos
particulares (Cretella Júnior, 1990:328-329).
Pode-se dizer que o serviço
público decorre de uma necessidade pública,
erigida pelo legislador como tal. O serviço público,
no sentido jurídico da expressão, só
aparece quando o legislador o eleva a tal status; até
então, o que há é tão-somente um
serviço público potencial. Portanto, todas as
atividades de interesse geral e que visem suprir necessidades
essenciais da coletividade, desde que assumidas legalmente
pela Administração, devem ser consideradas
serviços públicos (Mukai, 1995:4).
Trata-se, pois, de prestações
consistentes no oferecimento, aos administrados em geral, de
utilidades ou comodidades materiais (como água, luz,
gás, telefone, transporte coletivo, limpeza pública
etc.) que o Estado assume como próprias, por serem
reputadas imprescindíveis, necessárias ou
apenas correspondentes a conveniências básicas
da sociedade, em dado momento histórico (Mello,
1996:407).
A essencialidade do serviço
para a população é elemento determinante
para a opção do legislador, mas não o
único. A atividade de distribuição de
alimentos, por exemplo, vital para a sociedade, visto que
pode afetar a própria sobrevivência das pessoas,
não foi alçada à condição
de serviço público. Acrescente-se que, nas
diversas Constituições brasileiras, há
significativas divergências sobre os serviços
considerados públicos.
A enumeração dos
serviços públicos pelo texto constitucional não
é exaustiva, podendo o Poder Legislativo qualificar
como públicos outros serviços, afora os
mencionados na Constituição, desde que não
sejam ultrapassadas as fronteiras delineadas pelas normas
atinentes à ordem econômica, que são
garantidoras da livre iniciativa (Mello, 1996:415-416).
Significa dizer não pode a lei ordinária
definir como serviço público qualquer
indústria, serviço ou atividade ante os
requisitos estabelecidos: a competência estatal firmada
no seu ordenamento constitucional e a vedação
prevista no artigo 173 da Constituição Federal
(Moreira Neto, 1993:324).
Enfim, o que se pode afirmar é
que existem certas atividades que, em princípio, não
devem estar à livre disposição e
exploração dos particulares: é o que se
tem denominado de serviços públicos (Mukai,
1995:5). De outro lado, alguns serviços públicos,
por sua própria natureza, são indelegáveis,
sob pena da própria falência do Estado, como o
exercício do poder de polícia e a tarefa de
distribuição de justiça (Cretella
Júnior, 1990:335).
A atividade econômica,
por sua vez, é, regra geral, impulsionada pelo lucro,
sendo este a força motriz da iniciativa dos
particulares. A atividade econômica é puro e
inequívoco serviço privado, comércio ou
indústria, a não ser no caso, todo especial, em
que se identifica com o serviço público, pois
que tais noções, às vezes, não
são excludentes (Cretella Júnior, 1990:290).
No sistema constitucional
vigente, a exploração da atividade econômica
e o desempenho de serviços pertinentes a essa esfera
assiste aos particulares e não ao Estado. Esse, apenas
em caráter excepcional, poderá desempenhá-los,
nos termos do artigo 173 da Carta de 1988 (Mello, 1996:4 16).
A
Constituição faz nítida distinção
entre serviço público e atividade econômica.
Essa, quando explorada pelo Estado (e só pode sê-lo
em duas hipóteses: segurança nacional e motivo
de relevante interesse coletivo, consoante artigo 173,
caput),
haverá
de ser levada a efeito por meio de sociedade de economia
mista, empresa pública, ou suas subsidiárias,
sujeitando-se todas ao regime jurídico próprio
das empresas privadas (§ 1° do artigo 173). O
serviço público -
diz a Carta
Magna -
incumbe ao
Poder Público, que, na forma da lei, deve prestá-lo
diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, nos termos
do artigo 175, caput
(Mukai,
1995:6).
Portanto, a natureza de
serviço público atribuída a uma
atividade é pressuposto do estabelecimento da
competência administrativa. Infere-se daí que há
um circulo vicioso entre a natureza da própria
atividade e o regime jurídico a que se acha submetida,
porquanto se, em alguns casos, a atividade condiciona o
regime jurídico, em outros casos, é o regime
jurídico que vai determinar a própria
transmutação da natureza da atividade, uma vez
que, quando o Estado opta por este ou aquele regime jurídico,
é porque atribuiu à atividade esta ou aquela
natureza, incluindo-a ou não entre aquelas que
considera relevantes para a coletividade num dado momento
histórico (Cretella Júnior, 1990:301-302).
O Estado tanto pode
desempenhar serviços privados, como serviços
públicos. O particular também pode prestar os
dois tipos de serviços. Em suma: o Estado pode prestar
diretamente à sociedade os serviços erigidos
pela Constituição ou pela lei como públicos,
cumprindo tarefa de rotina, ou transferir sua missão a
pessoas de direito privado, estatais ou não (empresas
públicas, sociedades de economia mista,
concessionárias e permissionárias), ou a
pessoas de direito público (autarquias e fundações
públicas).
A par disso, pode o Estado
intervir na atividade econômica, em caráter
excepcional, nos termos previstos no artigo 173 da
Constituição, por meio de empresas públicas,
sociedades de economia mista e suas subsidiárias.
Opinião
idêntica foi manifestada por Ferreira (2003, p. 70),
afirmando o seguinte:
As
empresas públicas e as sociedades de economia mista,
como pessoas administrativas que são, estão
comprometidas com o interesse público, e, como objeto
seu, no atingimento dessa finalidade, podem ter a prestação
de serviços públicos (v. CF, art. 37, §
6°) ou a exploração de atividade econômica
de produção de bens e prestação
de serviços (CF, art. 173, § 1°). É
distinção com os mais relevantes reflexos
jurídicos, conforme detalharemos.
Mesmo
se se tratar da produção ou comercialização
de bens ou serviços, as empresas públicas e as
sociedades de economia mista estão, de acordo com o
disposto no art. 173 da CF, submetidas aos fins de interesse
público nele citados, especificamente, pela própria
Carta Magna Nacional: imperativos da segurança
nacional ou outro relevante interesse coletivo, definidos em
lei. O art. 173, § 1°, I, da CF, com a redação
da Emenda Constitucional n° 19/98, impõe a esses
entes uma função social. Mas, cognatamente com
o fim público, presente está, nessas empresas
administrativas, o fim privado de natureza patrimonial.
Portanto,
os motivos justificadores da criação de
empresas estatais são os mesmos aplicáveis à
sua extinção, pelo que se conclui que tais
entidades têm fim precípuo de interesse público,
representando o Estado na prestação de serviços
públicos ou no desenvolvimento de atividades
consideradas relevantes para a sociedade.
3.3
FORMAÇÃO PATRIMONIAL
São
as empresas estatais, em última análise,
entidades públicas, não havendo por que se
cogitar da comparação com entidades privadas,
cuja existência está diretamente relacionado à
vontade do particular, ao desenvolvimento pessoal de seus
agentes, à busca do lucro, finalidade primeira de quem
se dispõe a empregar capital e trabalho privados na
condução de determinado empreendimento.
Diferentemente
da empresa privada, o interesse público será
(ou deverá ser) sempre a motivação para
criarem-se ou extinguirem-se empresas estatais, devendo ser
também o substrato de todos os atos praticados na
gestão dessas empresas.
Consistem,
desse modo, em patrimônios públicos destinados a
propiciar bem-estar, conforto, desenvolvimento, estabilidade
social e econômica, tudo em prol dos cidadãos,
que, aliás, contribuíram para a formação
do capital destinado à constituição da
entidade.
4
ASPECTOS JURÍDICO DAS ESTATAIS
4.1
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Na
exposição desse tópico, retoma-se a
discussão sobre os princípios relativos à
organização do Estado brasileiro, para
verificar-se que, nos termos do artigo 1° e 3° da
Constituição Federal de 1988, a República
Federativa do Brasil tem como fundamentos, entre outros, os
valores sociais do trabalho e a dignidade humana, traçando
os seus objetivos de construir uma sociedade livre, justa e
solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Com
efeito, vê-se o Estado compelido a intervir nas
relações econômicas e sociais toda vez
que se verificar desequilíbrio entre as duas
categorias de valores informativos da Constituição,
vale dizer, valores liberais e valores sociais, isso porque a
organização social é fruto da
organização econômica, e vice-versa.
Apresenta-se,
assim, o cenário das empresas estatais, cujas
atividades dão suporte ao Estado para promover o
equilíbrio de forças contidas na Constituição
Federal. A propósito, mostra-se oportuna a transcrição
do artigo 173 da CF/88, que autoriza o Estado a promover
referidos ajustes na economia:
REDAÇÃO
ORIGINAL
Art.
173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição,
a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária
aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§
1º A empresa pública, a sociedade de economia
mista e outras entidades que explorem atividade econômica
sujeitam-se ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias.
§
2º As empresas públicas e as sociedades de
economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado.
§
3º A lei regulamentará as relações
da empresa pública com o Estado e a sociedade.
REDAÇÃO
DA EC N° 19/98
Art.
173.......................
§
1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico
da empresa pública, da sociedade de economia mista e
de suas subsidiárias que explorem atividade econômica
de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços,
dispondo sobre:
I
- sua função social e formas de fiscalização
pelo Estado e pela sociedade;
II
- a sujeição ao regime jurídico próprio
das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributários;
III
- licitação e contratação de
obras, serviços, compras e alienações,
observados os princípios da administração
pública;
IV
- a constituição e o funcionamento dos
conselhos de administração e fiscal, com a
participação de acionistas minoritários;
V
- os mandatos, a avaliação de desempenho e a
responsabilidade dos administradores.
4.2
NATUREZA JURÍDICA
Na
doutrina brasileira não há maiores divergências
de opiniões sobre as finalidades de criação
das empresas estatais, afirmando-se tratarem-se de entidades
públicas criadas pelo Estado, apesar de regidas,
também, pelo Direito privado.
Para
Mello (2001, p. 147 e 151), empresa pública e
sociedade de economia mista são conceituadas assim:
Deve-se
entender que empresa pública federal é a pessoa
jurídica criada por lei, como instrumento de ação
do Estado, com personalidade de Direito Privado, mas
submetida a certas regras especiais decorrentes de ser
coadjuvante da ação governamental,
constituída sob quaisquer das formas admitidas em
Direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos
de pessoas de Direito Público interno ou de pessoas de
suas Administrações Indiretas, com
predominância acionária residente na esfera
federal. (destacamos)
Sociedade
de economia mista federal há de ser entendida como a
pessoa jurídica cuja criação é
autorizada por lei, como um instrumento de ação
do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas
submetida a certas regras especiais decorrentes desta sua
natureza auxiliar da atuação governamental,
constituída sob a forma de sociedade anônima,
cujas ações com direito a voto pertence em sua
maioria à União ou a entidade de sua
Administração indireta, sobre remanescente
acionário de propriedade particular. (destacamos)
Sobre
o assunto, ensina Di Pietro (2004, p. 385), da seguinte
maneira:
Quanto
à natureza jurídica das empresas públicas
e sociedades de economia mista, as controvérsias
doutrinárias se pacificaram consideravelmente a partir
de 1967: de um lado, porque a Constituição, no
artigo 163, § 2°, determinava a sua submissão
ao direito privado; de outro lado, tendo em vista o conceito
contido no artigo 5°, II e III, do Decreto-lei n°
200.
A
isso tudo acrescente-se outra razão de ordem
técnico-funcional, ligada à própria
origem desse tipo de entidade; ela foi idealizada, dentre
outras razões, principalmente por fornecer ao poder
público instrumento adequado para o desempenho de
atividades de natureza comercial e industrial; foi
precisamente a forma de funcionamento e organização
das empresas privadas que atraiu o poder público. Daí
a sua personalidade jurídica de direito privado.
Embora
elas tenham personalidade dessa natureza, o regime jurídico
é híbrido, porque o direito privado é
parcialmente derrogado pelo direito público. Mas,
falando-se em personalidade de direito privado, tem-se
a vantagem de destacar o fato de que ficam espancadas
quaisquer dúvidas quanto ao direito a elas aplicável:
será sempre o direito privado, a não ser que se
esteja na presença de norma expressa de direito
público.
Essa
derrogação parcial do direito comum pelo
direito público existe sempre que o poder público
se utiliza de instrumentos de direito privado; no caso das
pessoas jurídicas, essa derrogação é
de tal forma essencial que, na sua ausência, não
haverá sociedade de economia mista, mas apenas
participação acionária do Estado.
A
derrogação é feita, em grande parte,
pela própria Constituição, mas também
por leis ordinárias e complementares, quer de caráter
genérico, aplicável a todas as entidades, quer
de caráter específico, como é a lei que
cria a entidade.
Opinião
idêntica é a de Alves (2000, p. 100), cuja lição
transcreve-se abaixo:
Embora
dotadas de personalidade privada, em virtude de realizarem
atividades de interesse público, tanto a sociedade de
economia mista como a empresa pública mantêm um
vínculo com a entidade pública que as
instituiu. Por isso, algumas conseqüências: os
atos de seus dirigentes revestem-se de certa autoridade,
sujeitando-se a mandado de segurança e à ação
popular. Podem sofrer a intervenção do Estado
na hipótese de desvirtuamento de suas finalidade,
improbidade na sua administração ou de
insuficiência de recursos financeiros para o
cumprimento de seus fins. Com referência ao desvio de
finalidade a Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Lei
de Sociedades Anônimas, taxativamente determina: "A
companhia de economia mista somente poderá explorar os
empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que
autorizou a sua constituição" (art. 237).
Assim,
não obstante ostentarem natureza jurídica de
direito privado, tanto a instituição como a
organização dessas entidades, são
regidas pelo direito público. Apenas a atividade
empresarial dessas empresas é que se submete às
normas de direito privado. Isto, para evitar-se concorrência
desleal à iniciativa privada. Com esse intuito é
que a Constituição Federal impõe à
empresa pública e à sociedade de economia mista
observância das normas civis e comerciais, sobretudo no
que diz respeito ao direito trabalhista e tributário,
não podendo gozar essas entidades de vantagens não
extensíveis às empresas do setor privado (art.
173, §§ 1° e 2°, CF).
Se
por um lado a maioria dos doutrinadores defende o caráter
híbrido do regime jurídico das empresas
estatais, em contraposição à tese que
prega a total desvinculação do Direito público,
fato é que não se tem ocupado em identificar e
separar as relações jurídicas em que as
empresas estatais se sujeitam aos dois ramos do Direito. Esse
o motivo do tópico seguinte.
4.3
REGIME JURÍDICO
À
míngua de posicionamentos doutrinários mais
específicos sobre a abrangência dos regimes
jurídicos aplicáveis às empresas
estatais, apresenta-se a tese de que essas entidades estão
submetidas a duplo regime, nos seguintes termos: o de Direito
privado, em suas relações com os mercados
econômicos em que atuam, em obediência aos
princípios liberais da livre iniciativa e da
valorização do trabalho humano, nos termos dos
artigos 1°, 3° e 173 da CF/88, e o de Direito
público, aplicável à sua administração,
por tratar-se de entidades constituídas pelo Estado,
com recursos públicos, visando a finalidades públicas,
pelo que se sujeitam aos princípios constitucionais
inerentes à Administração Pública,
na forma do artigo 37 da Constituição Federal.
Conforme
acima mencionado, não se verifica na doutrina
administrativista separação mais precisa da
aplicação dos dois ramos do Direito, como a que
ora se propõe no presente estudo. Todavia, pode-se
extrair raciocínio semelhante na obra de Figueiredo
(2003, p.115), manifestando-se pela vinculação
das empresas estatais aos princípios constitucionais
que regem a Administração Pública como
um todo. Eis a lição:
3.2
- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A
Constituição de 1988, mesmo com a Emenda
19/1998, colocou as empresas públicas, sociedades de
economia mista, autarquias e fundações no
capítulo pertinente à Administração
Pública.
Desta
forma, os princípios da Administração
Pública, expressos e implícitos, aplicam-se às
empresas.
Esse
argumento, adiante-se, mostrou-se de fundamental importância
para o posicionamento da Suprema Corte a respeito da
incidência do teto constitucional sobre a remuneração
de empregados da empresas estatais, na ADIn n° 787/DF,
conforme vê-se adiante.
Necessário,
portanto, distinguir as duas categorias de relações
jurídicas mantidas pelas empresas estatais, em seu
mister de auxiliar o Estado na busca do bem comum da
população.
4.3.1
Regime de Direito privado
Como
bem assinala Di Pietro (2004, p. 385), o regime jurídico
de Direito privado é derrogado por normas de Direito
público, desde que isso não signifique
favorecimento legal da entidade estatal, frente ao particular
que desempenha idêntica atividade.
Com
efeito, não poderá a lei, a propósito do
interesse público, estabelecer que as empresas
estatais de determinados setores da economia tenham
tratamento diferenciado em matéria tributária,
previdenciária, trabalhista etc. Nessas relações
com os mercados econômicos em que atuam, as empresas
estatais deverão estar em igualdade de condições
com o empreendedor particular.
Isso,
porque, nos estreitos limites permitidos pela Constituição
Federal de 1988, em havendo interesse público,
determinadas atividades podem ser levadas a efeito pelo
estado, mas sem a utilização de prerrogativas
próprias de entes públicos, que os coloquem em
situação privilegiada frente ao empreendedor
particular.
Assim,
não poderia o Estado, dadas às suas condições
peculiares, especialmente o poder de arrecadar recursos, a
capacidade legislativa, o poder de determinar diretrizes
econômicas e sociais, vir a beneficiar as suas
entidades que atuem nos diversos mercados econômicos,
pois, assim agindo, causaria sérias dificuldades aos
empreendedores privados, ferindo, por conseguinte, princípios
explícita e implicitamente contidos na Constituição
Federal de 1988.
Disso
decorre, por exemplo, que a carga tributária incidente
sobre os bens e serviços produzidos pelas empresas
estatais deve ser idêntica àquela aplicável
aos mesmos bens e serviços produzidos pelas empresas
particulares; que a mesma alíquota de contribuição
previdenciária devida sobre a remuneração
de determinada categoria de trabalhadores é válida
tanto para as empresas estatais, quanto para as empresas
privadas; que os direitos trabalhistas (mínimos) dos
empregados das empresas estatais são idênticos
aos dos trabalhadores das empresas privadas em igual
situação.
Enfim,
não poderá o Estado, utilizando-se de suas
prerrogativas, dispensar tratamento diferenciado às
suas empresas, em detrimento das atividades desenvolvidas
pela iniciativa privada.
Afora
isso, para o particular concorrente, pouco importa a maneira
como a empresa estatal é administrada, se com total
liberdade ou com limitações impostas pelas
normas de Direito público.
O
que interessa, em verdade, é que essas normas de
Direito público não venham a criar privilégios
para as entidades estatais, em detrimento do particular.
4.3.2
Regime de Direito público
Desde
a vigência da redação original do artigo
173 da CF/88, que muito se discutiu a respeito da liberdade
de ação dos administradores de empresas
estatais.
Sempre
que determinado órgão de controle da
Administração questiona atos de gestão,
prontamente, responde-se com o argumento de que as empresas
estatais sujeitam-se ao regime de Direito privado, estando o
seu administrador, portanto, livre para tomar o caminho que
julgar conveniente, como o faria o administrador privado.
Os
efeitos dessa discussão, prolongada aos dias atuais,
especialmente após a modificação
introduzida pela Emenda 19/98, diga-se, são
extremamente danosos aos contribuintes. Há verdadeiros
esqueletos judiciais oriundos dessa suposta liberdade de ação
concedida aos administradores de empresas estatais.
Apenas
como referência, tramita processo trabalhista contra
determinada empresa estatal do Distrito Federal e da União,
cuja dívida, caso reconhecida, importará mais
de vinte vezes o patrimônio dessa mesma empresa. Tudo
por conta da suposta liberdade de negociação de
acordo coletivo de trabalho, prevendo cláusulas
impossíveis de cumprimento, dentro do cenário
da Administração Pública.
Apesar
de toda a celeuma existente sobre o tema, detido exame dos
dispositivos constitucionais aplicáveis leva a
conclusão diversa daquela que os administradores
costumam sustentar.
Em
verdade, quer parecer, não há antinomia entre
os regimes jurídicos aplicáveis às
empresas estatais. Desde que o Estado não constitua
privilégios em favor de suas empresas, para o
empreendedor particular, pouco importa a maneira como a
empresa pública é administrada.
Aliás,
a comparação com o empreendedor privado permite
conclusão inversa, ou seja, não é
razoável que uma entidade pública, como é
a empresa estatal, seja administrada de acordo com os
princípios que regem os empreendimentos privados,
porque são entidades de naturezas absolutamente
distintas entre si.
A
empresa estatal é constituída com recursos
públicos, com finalidades públicas, devendo a
sua administração se orientar pelos princípios
de administração pública. A sujeição
ao regime privado, nos termos constitucionais, longe de
constituir privilégio do administrador, é
restrição ao Estado, em face do princípio
liberal de livre iniciativa e de valorização do
trabalho humano.
Desse
modo, a leitura do artigo 173 da Constituição
Federal de 1988 deverá sempre estar relacionada aos
princípios econômicos e sociais implícitos
e explícitos contidos no texto constitucional.
Não
se justifica, portanto, a aplicação que, muitas
vezes, se pretende dar ao mandamento de que as empresas
estatais sujeitam-se às regras de Direito privado para
justificar desatinos administrativos de responsáveis
pela condução de determinadas entidades
estatais, sob os auspícios da liberdade de atuação
própria dos empreendimentos privados.
Como
dito, a livre iniciativa é princípio
constitucional a que o Estado está obrigado a
observar. Todavia, ao estipular, também, que as
empresas criadas pelo próprio Estado estão
sujeitas ao regime de Direito privado, não significa,
em absoluto, liberdade de ação para o
administrador dessas empresas. Significa, sim, restrições
impostas ao Estado, de modo a não se admitir que as
empresas estatais se utilizem de instrumentos de Direito
público para concorrer com empresas privadas que atuem
no mesmo setor da economia, porque, dentro da concepção
do Estado brasileiro, as empresas estatais não são
criadas com o objetivo de perseguir o lucro na exploração
de atividades econômicas que podem ser desempenhadas
por particulares.
Além
das observações feitas por Figueiredo,
retrotranscritas, Mello (2001, p. 154) é quem melhor
esclarece essa distinção de natureza e de
regime jurídico, diferenciando o aspecto essencial
da empresa estatal (natureza pública) de seu
aspecto acidental (ser regida pelo Direito privado),
provavelmente, fundado na filosofia de Aristóteles.
Veja-se:
Natureza
essencial de empresas públicas e sociedades de
economia mista: conseqüências
50.
Empresas
públicas e sociedades de economia mista são,
fundamentalmente e acima de tudo, instrumentos de ação
do Estado. O traço essencial caracterizador destas
pessoas é o de se constituírem em auxiliares
do
Poder Público; logo, são entidades voltadas,
por definição, à busca de interesses
transcendentes aos meramente privados.
[...]
É preciso, pois,
aturado precato para não incorrer no equívoco
de assumir fetichisticamente a personalidade de Direito
Privado (como costumava ocorrer no Brasil) das estatais e
imaginar que, por força dela, seu regime pode
ensejar-lhes uma desenvoltura equivalente à dos
sujeitos cujo modelo tipológico inspirou-lhes a
criação. Deveras, a personalidade de Direito
Privado que as reveste não passa de um expediente
técnico cujo préstimo adscreve-se,
inevitavelmente, a certos limites, já que não
poderia ter o condão de embargar a positividade de
certos princípios e normas de Direito Público
cujo arredamento comprometeria objetivos celulares do Estado
de Direito.
51.
O
traço nuclear das empresas estatais, isto é,
das empresas públicas e sociedades de economia mista,
reside no fato de serem coadjuvantes de misteres estatais.
Nada pode dissolver este signo insculpido em suas naturezas.
Dita realidade jurídica representa o mais certeiro
norte para a intelecção destas pessoas.
Conseqüentemente, aí está o critério
retor para interpretação dos princípios
jurídicos que lhes são obrigatoriamente
aplicáveis, pena de converter-se o acidental
— suas
personalidades de Direito Privado — em essencial,
e
o essencial — seu caráter de sujeitos auxiliares
do Estado — em acidental.
Como os objetivos estatais são
profundamente distintos dos escopos privados, próprios
dos particulares, já que almejam o bem-estar coletivo
e não o proveito individual, singular (que é
perseguido pelos particulares), compreende-se que exista um
abismo profundo entre as entidades que o Estado criou para
secundá-lo e as demais pessoas de Direito Privado, das
quais se tomou por empréstimo a forma jurídica.
Assim, o regime que a estas últimas naturalmente
corresponde, ao ser transposto para empresas públicas
e sociedades de economia mista, tem que sofrer — também
naturalmente — significativas adaptações,
em atenção a suas peculiaridades.
Se assim não fosse, e
se as estatais desfrutassem da mesma liberdade que assiste ao
comum das empresas privadas, haveria comprometimento de seus
objetivos e funções essenciais, instaurando-se,
ademais, sério risco para a lisura no manejo de
recursos hauridos total ou parcialmente nos cofres públicos.
Além disto, sempre que o Poder Público atuasse
por via destes sujeitos, estariam postas em xeque as
garantias dos administrados, descendentes da própria
índole do Estado de Direito ou das disposições
constitucionais que o explicitam. Com efeito, o regime de
Direito Privado, sic et simpliciter, evidentemente,
não impõe o conjunto de restrições
instauradas precisamente em atenção aos
interesses aludidos.
52.
Em
despeito destas obviedades, durante largo tempo pretendeu-se
que, ressalvadas taxativas disposições legais
que lhes impusessem contenções explícitas,
estariam em tudo o mais parificadas à generalidade das
pessoas de Direito Privado. Calçadas nesta tese
errônea, sociedades de economia mista e empresas
públicas declaravam-se, com o beneplácito da
doutrina e da jurisprudência (salvo vozes combativas,
mas isoladas), livres do dever de licitar, razão por
que os contratos para obras públicas mais vultosos
eram travados ao sabor dos dirigentes de tais empresas ou
mediante arremedos de licitação; recursos
destas entidades passaram a ser utilizados como válvula
para acobertar dispêndios que a Administração
Central não tinha como legalmente efetuar, ou mesmo
para custear ostensiva propaganda governamental, mediante
contratos publicitários de grande expressão
econômica; a admissão de pessoal, e com salários
muito superiores aos vigentes no setor público,
efetuava-se com ampla liberdade, sem concursos,
transformando-as em “cabides de emprego” para
apaniguados; avançados sistemas de aposentadoria e
previdência eram, por decisão interna
corporis, instituídos
em prol de seus agentes, em condições muito
mais vantajosas do que as do sistema nacional de previdência
ou do próprio regime previdenciário do setor
público; despesas exageradas, úteis apenas à
comodidade pessoal de seus agentes, eram liberalmente
efetuadas, como, exempli
gatia, suntuosas
hospedagens no Exterior, quando de viagens internacionais dos
seus dirigentes; sempre sob argüição de
serem pessoas de Direito Privado — até que a
legislação explicitamente lhes impusesse
sujeição de suas despesas à fiscalização
do Tribunal de Contas da União —, sustentava-se
que estavam livres deste controle; sob o mesmo fundamento e
da correlata liberdade que lhes concerniria, multiplicaram-se
sociedades de economia mista e empresas públicas, umas
criando outras, surgindo, destarte, as de chamada segunda e
terceira geração, aptas, pois, a prodigalizar
os mesmos desmandos.
[...]
Critérios
para interpretação do regime jurídico
das empresas do Estado
53.
Cumpre
realçar que os preceitos conformadores da atuação
estatal não visam apenas a assegurar-lhe condições
de eficiência. No Estado de Direito, destinam-se também
e sobretudo a estabelecer as indispensáveis limitações
que embarguem ação desatada ou descomedida dos
próprios governantes, para impedir que seja gravosa
quer ao interesse público, que lhes assiste curar,
quer às garantias pertinentes aos administrados em
suas relações com o Poder Público. De
resto, esta última é a própria razão
inspiradora do Estado de Direito. Então, obviamente,
não lhe basta travestir-se de pessoa de Direito
Privado para esquivar-se das contenções armadas
em favor do aludido propósito.
Donde, desconhecer ou
menoscabar estes vetores implicaria ofensa a diretrizes
fundamentais do Texto Constitucional. Assim, não seria
prestante interpretação que os postergasse.
Segue-se que entidades
constituídas à sombra do Estado como auxiliares
suas na produção de utilidade coletiva e que
manejam recursos captados total ou majoritariamente de fontes
públicas têm que estar submetidas a disposições
cautelares, defensivas tanto da lisura e propriedade no
dispêndio destes recursos quanto dos direitos dos
administrados a uma atuação impessoal e
isonômica, quando das relações que com
elas entretenham. Isto só é possível
quando existam mecanismos de controle internos e externos,
suscitados quer pelos órgãos públicos,
quer pelos próprios particulares, na defesa de
interesses individuais ou da Sociedade.
É
esta compreensão que, pouco e pouco, vem-se impondo no
Direito brasileiro, sobretudo pela via normativa (que bem a
refletiu) e já agora com maior intensidade, apesar de
algumas recidivas ainda ocorrentes, sempre alimentadas por
agentes governamentais ou das próprias empresas; uns e
outros interessados em se evadir de controles externos,
notadamente dos que provêm ou podem provir da
iniciativa dos administrados, cujos direitos -
sobretudo a
um tratamento impessoal e isonômico -
eram
sistemática e olimpicamente pisoteados por estas
entidades da Administração indireta, sob a
argumentação de que, sendo pessoas de Direito
Privado, podiam agir com a correspondente autonomia.
Sem embargo, como ainda não
houve tempo para solidificação de doutrina e
jurisprudência perante textos mais recentes, que
introduziram contenções explícitas a
tais pessoas (advindas sobretudo da Constituição
vigente), não está superado o risco de
retrocessos. E esta circunstância que justifica o
realce dado ao tópico em questão.
54.
De
resto, o próprio Texto Constitucional Vigente (como,
aliás, já acontecia no anterior) cuida de
submeter empresas públicas e sociedades de economia
mista a uma série de disposições que não
vigoram para as demais pessoas de Direito Privado (e que nem
fariam sentido algum em relação a elas),
conforme adiante se verá. Evidencia-se, assim, que o
regime jurídico disciplinador destas entidades da
Administração indireta é, certamente,
peculiar. Aliás, se não apresentasse cunho
original em relação às disposições
que regem a generalidade das empresas privadas, as sociedades
de economia mista e empresas públicas não se
constituiriam em realidade jurídica
distinta
de quaisquer outras pessoas mercantis, confundindo-se, de
direito, com
as notórias figuras preexistentes. Aí, então,
nada justificaria a busca de um conceito jurídico para
elas, visto que estariam subsumidas na conceituação
própria do tipo societário de Direito Privado
que lhes houvesse sido atribuído, pois suas
existências não apresentariam qualquer
ressonância nova na esfera do Direito, mas tão-só
no campo próprio da Ciência da Administração
ou na seara econômica, como pretendeu Fritz Fleiner, há
tantos anos passados.
Conforme
se verifica, as questões importantes dessa discussão
ficam mais bem esclarecidas quando se diferenciam as duas
categorias de relações jurídicas
advindas da criação de uma empresa pública.
Uma coisa é estabelecer o regime aplicável às
empresas estatais em seu relacionamento com os diversos
mercados econômicos em que atuem, observando-se a sua
submissão às mesmas regras do empreendedor
particular; outra, é o regime orientador de sua
administração, sobre o qual não se pode
olvidar, nunca, tratarem-se de entidades constituídas
com patrimônio público, para atingimento de
finalidades públicas.
O
encerramento deste tópico, serve, portanto, para
asseverar a natureza especial da empresa estatal, bem como a
inegável incidência à sua administração
de normas de Direito público, eis que voltadas ao
atingimento de finalidades públicas a cargo do ente
estatal que a criou (União, Estados, Distrito Federal
e Municípios).
Não
se pode entender, desse modo, que a administração
de empresa estatal, sob as suas variadas formas, possa ser
exercida sob os valores, as regras e os fundamentos
aplicáveis às empresas particulares, cuja
finalidade é completamente distinta, qual seja, buscar
a lucratividade do capital e do trabalho empregados no
desenvolvimento de suas atividades econômicas.
4.4
FORMALIDADES ADMINISTRATIVAS
A
constituição da empresa pública pode-se
revestir de várias formas, conforme admitir o Direito
vigente, podendo ser empresa unipessoal ou sociedade
pluripessoal ou unipessoal (Di Pietro, 2004: p. 388).
Quanto
à sociedade de economia mista, pela sua própria
natureza, trata-se de sociedade anônima, com capital
dividido em ações, cuja maioria pertence ao
ente estatal controlador, devendo possuir, obrigatoriamente,
conselho de administração, nos termos do artigo
239 da Lei n° 6.404/76.
Cita
Costa (2001, p. 114), o caso da Caixa Econômica
Federal, empresa unipessoal da União federal, que tem
como órgãos a diretoria e o conselho fiscal. Os
membros da diretoria são nomeados e demissíveis
ad nutum pelo Presidente da República. Os do
conselho fiscal, da mesma forma, pelo Ministro da Fazenda.
Representam, portanto, os nomeados as autoridades que detém
as prerrogativas de nomeação e exoneração.
Quanto
às sociedades, destaca o digno professor que as
decisões são tomadas em assembléia geral
de acionistas, mesmo que se trate de sociedade unipessoal,
como é o caso da Companhia de Desenvolvimento do Vale
do São Francisco - CODEVASF, que, apesar do capital
pertencer integralmente à União, dispõe
de assembléia geral, conselho diretor, diretoria
executiva e conselho fiscal.
A
possibilidade de constituição de empresa
pública unipessoal ou pluripessoal, sob quaisquer
formas, inclusive sociedade anônima, segundo o mesmo
professor, decorre da regra de interpretação
contida no artigo 2°, § 2°, do Decreto-lei n°
4.657, de 4.9.1942 (Lei de Introdução ao Código
Civil), no sentido de que a regra especial criadora da
empresa pública unipessoal afastaria a regra geral
constante do artigo 80, inciso I, da Lei n° 6.404/76, que
exige mais de um sócio para a constituição
de companhia.
Nos
termos da Constituição Federal de 1988 (artigo
37, incisos XIX e XX), as empresas estatais somente podem ser
criadas mediante autorização de lei, assim como
para a criação de suas subsidiárias e
para participação acionária do Estado em
empresas privadas.
5
REGIME JURÍDICO DOS EMPREGADOS DE ESTATAIS
Como
visto nos capítulos anteriores, a empresa estatal
desempenha atividades públicas, com finalidades também
públicas, sendo regidas, também, por normas de
Direito público, mas submetendo-se às normas de
Direito privado em suas relações com os
mercados econômicos em que atuam, por imperativo
constitucional, como forma de evitar privilégios
frente ao empreendedor particular.
Assim
como em relação ao regime jurídico
aplicável às empresas estatais, o regime
jurídico dos seus empregados é também
objeto de infindável discussão.
Argumenta-se
que o regime da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT é fator preponderante para
identificar-se a qualificação de trabalhador
privado nos empregados de empresas estatais.
De
ressaltar, todavia, que apenas a regência pela
legislação consolidada não define, em
absoluto, a natureza do regime jurídico aplicável
a determinado grupo de trabalhadores.
Há
diversas categorias de trabalhadores privados que não
são regidos pela CLT, como os domésticos (Lei
n° 5.859/72 e Decreto n° 71.885/73); os rurícolas
(Lei n° 5.889/73 e Decreto n° 73.626/74); os
temporários (Lei n° 6.019/74 e Decreto n°
73.841/74); os autônomos (artigo 12, inciso V, alínea
"h", da Lei n° 8.212/91); os eventuais (artigo
12, inciso V, alínea "g", da Lei n°
8.212/91); os avulsos (artigo 12, inciso VI, da Lei n°
8.212/91 e artigo 9°, inciso VI, do Decreto n°
3.048/99).
Se
de um lado há categorias de trabalhadores privados que
não são regidos pela CLT, de outro, cabe
observar que a CLT também tem aplicação
a trabalhadores da área pública, como ocorria
antes da Lei n° 8.112/90, instituindo, no âmbito da
União, o regime jurídico único dos
servidores públicos civis, e como ocorre atualmente,
na forma da Lei n° 9.962/00, editada após a
modificação do caput do artigo 39 da
CF/88, pela Emenda Constitucional n° 20/98, que extinguiu
o regime jurídico único.
Com
efeito, disciplina a Lei n° 9.962/00 o regime de emprego
público do pessoal da Administração
federal direta, autárquica e fundacional, e dá
outras providências, estabelecendo em seu artigo 1°
o seguinte:
Art.
1o O pessoal admitido para emprego público
na Administração federal direta, autárquica
e fundacional terá sua relação de
trabalho regida pela Consolidação das Leis do
Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de
1o de maio de 1943, e legislação
trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser
em contrário.
§
1o Leis específicas disporão
sobre a criação dos empregos de que trata esta
Lei no âmbito da Administração direta,
autárquica e fundacional do Poder Executivo, bem como
sobre a transformação dos atuais cargos em
empregos.
A
mera regulação das relações de
trabalho pela legislação celetista não
traz, portanto, maiores implicações jurídicas
na distinção entre trabalhador da área
pública ou da iniciativa privada. Ambas as categorias
de trabalhadores podem estar submetidas ou não às
normas consolidadas.
Conclusão
óbvia é que se manter vínculo de
trabalho sob o regime celetista não significa ser
trabalhador privado, pois aplicável esse regime tanto
no campo privado, como no público, além do que
há categorias de trabalhadores privados regidas por
leis específicas. Repetindo, ambas as categorias de
trabalhadores podem estar submetidas ou não às
normas consolidadas.
Tratando
do regime jurídico dos empregados das empresas
estatais, Ferreira (2003, p. 84) apresenta a seguinte
conclusão;
11.
Os agentes da Administração Empresarial, ou
seja, das empresas públicas e sociedades mistas, são:
(a)
Administradores e Membros do Conselho Fiscal -
titulares de mandatos, exercidos nos órgãos
estruturais estatutários dessas pessoas privadas
(diretoria, conselho de administração, conselho
fiscal), escolhidos pela entidade controladora ou pela
assembléia-geral da própria empresa ou
sociedade, segundo a hipótese. O conteúdo das
respectivas situações jurídicas está,
conforme o caso, nas normas de Direito Societário,
Civil, Comercial, e no Direito Administrativo (lei criativa
ou autorizativa da criação, decreto
instituidor, estatutos). Dispõem a respeito desses
órgãos, e administradores e conselheiros, os
arts. 37, § 8°, e 173, §1°, IV e V, da CF;
e os arts. 239, e parágrafo único, e 240 da Lei
n° 6.404/76.
(b)
Empregados - titulares de empregos, de natureza
trabalhista (contrato individual de trabalho), tendo
exercício nos ofícios integrantes da
organização empresarial da entidade.
Os
empregados podem ser permanentes, temporários ou de
confiança (v. CF, arts. 54, I, "b", e
142, § 3°, III).
Os
empregados das empresas públicas e mistas são
celetistas, são empregados de pessoas jurídicas
de direito privado. Sua situação jurídica
é regida, portanto, pelo Direito do Trabalho (cf.
Lei n° 6.184, de 11.12.74), com incidência restrita
de normas do Direito Público (v. CF, arts. 37, XVII, e
§§ 3°, III, 7°, 9°, e 114) e de normas
especiais de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho
(cf. Lei n° 9.469/67 e Decreto-lei n° 779/69).
Observe-se
que a visão do professor é obtida a partir do
regime jurídico privado aplicado no relacionamento das
empresas estatais com os mercados econômicos em que
atuam e não a partir da natureza das atividades e das
finalidades da criação das empresas estatais,
repetindo-se a velha máxima de que as empresas
públicas são entidades regidas pelo Direito
privado.
De
notar, porém, que, mesmo a partir dessa visão
privatista, que, aliás, tem sido o móvel de
toda a discussão jurídica sobre o tema,
reconhece Ferreira a incidência de normas de Direito
público nas relações entre empresas
estatais e seus empregados.
Nesse
sentido também é a conclusão a que se
chega no presente estudo, partindo-se, no entanto, conforme
já ressaltado, de preceitos distintos, quais sejam, os
aspectos peculiares envolvendo as empresas estatais, no que
dizem respeito à natureza de suas atividades, às
finalidades de sua criação, ao seu regime
jurídico; e pela contradição do
argumento que põe o regime celetista como núcleo
da natureza das relações jurídicas entre
estatais e seus empregados, pois, conforme já
demonstrado, tanto os trabalhadores públicos, quanto
os privados podem ser ou não regidos pela CLT.
6
SITUAÇÃO JURÍDICA DO DIRETOR DE EMPRESA
6.1
DISCUSSÃO NO DIREITO DO TRABALHO
Muito
se discute sobre a relação jurídica
entre a empresa e os seus diretores, partindo-se, todavia, de
duas conceituações básicas antagônicas:
que o diretor exerce mandato de gestão de negócios,
próprio do Direito comercial; que o diretor é
mero empregado da entidade que dirige.
Para
o presente trabalho, é fundamental assentar as bases
dessa discussão, pois dela depende todo o
desenvolvimento dos aspectos relacionados à
remuneração dos diretores.
Nesse
mister, selecionam-se dois doutrinadores de grande relevância
no cenário nacional, para buscar-se as respostas
necessárias ao desenvolvimento deste estudo.
Assim,
ao tratar dos tipos especiais de empregado, Nascimento (1992,
p. 179), tece as seguintes considerações:
Discute-se,
doutrinariamente, se os diretores de empresas, em especial de
sociedades anônimas, são empregados. Toda a
dificuldade resulta do fato de agirem como representantes do
próprio empregador e com um poder de iniciativa muito
grande, a ponto de serem responsáveis pela marcha do
negócio. Há diretores estatutários
(cargo de direção previsto no Estatuto da
empresa) e diretores não estatutários,
subordinados, empregados.
Para
Lynch, nada obsta a que um diretor de sociedade
anônima seja também empregado desta. Ramirez
Gronda entende que é preciso em cada caso concreto
verificar se o trabalho é uma imediata conseqüência
da condição de sócio como uma obrigação
a ela inerente ou com independência a ponto de poder
ser exercido por qualquer pessoa. O Código Civil
italiano (art. 2.095) dispõe que os dirigentes
administrativos ou técnicos são trabalhadores
subordinados. Portanto empregados, e estabelece uma
regulamentação especial. A Lei espanhola de
1931 os excluía da proteção trabalhista.
Mário de La Cueva sustenta que os altos
empregados não precisam da proteção da
lei trabalhista e não estão em situação
de subordinação perante o empregador, e por tal
razão prestam serviços profissionais, mas não
com contrato de trabalho sujeito à regulamentação
geral.
Para
a teoria tradicional, o diretor de sociedade não é
empregado. É mandatário. A relação
jurídica que o vincula à sociedade é de
mandato e não de emprego. Para a teoria contemporânea,
não há incompatibilidade entre a condição
de diretor de sociedade e a de empregado.
O
elemento fundamental que definirá a situação
do diretor de sociedade é a subordinação.
O nome "diretor" nada significa para fins de
definição do regime jurídico. Há
entendimento segundo o qual, como diretor de sociedade é
subordinado ao Conselho de Administração da
Sociedade Anônima (Lei n° 6.404, de 1976), mantém,
com a sociedade, a relação de emprego, com os
direitos subjetivos previstos no direito do trabalho.
Pode
surgir também o problema do empregado eleito diretor
de sociedade anônima, divergindo os autores quanto aos
efeitos que se produzirão sobre o seu contrato de
trabalho. Há mais de uma teoria. A primeira sustenta
que a eleição do empregado para o cargo de
direção de sociedade anônima importa na
extinção do seu contrato de trabalho, a partir
do momento em que assume o cargo, com o que daí por
diante deixaria de ter os direitos de empregado. A segunda
defende que a eleição provoca mera suspensão
do contrato de trabalho, ficando, assim, paralisados os seus
efeitos enquanto perdurar a investidura, restabelecendo-se o
contrato quando o empregado deixar o cargo de diretor. Há
outros entendimentos, mas giram em torno dessas teses
principais.
Passando
a discutir a condição do ocupante de cargo de
confiança, que é conseqüência lógica
da nomeação para o cargo de diretor, o mesmo
autor o faz nos seguintes termos:
7.
EMPREGADO EXERCENTE DE CARGO DE CONFIANÇA
O
empregado exercente de cargo de confiança só
pode ser considerado um tipo especial de empregado num ponto:
a restrição de direitos trabalhistas que sofre.
No mais, em nada difere do empregado comum, a não ser
também pelas vantagens econômicas maiores do
cargo.
O
problema maior que aqui surge é a definição
de cargo de confiança. Não há definição
legal. Quanto ao bancário, a lei (CLT, art. 224, §
2°) considera de confiança os cargos de direção,
fiscalização ou chefia, bem como outros
análogos.
Como
tese doutrinária é possível sustentar
que cargo de confiança é aquele no qual o
empregado ocupa uma posição hierárquica
elevada, na qual tenha poderes de agir pelo empregador nos
seus atos de representação externa. Não
é todo cargo de direção que se enquadra
no conceito, portanto. Excluem-se, também, os cargos
técnicos. A tendência é no sentido da
restrição do conceito, diante das limitações
dos direitos trabalhistas dos exercentes de cargos de
confiança. Assim, cargo de confiança é a
aquele existente na alta hierarquia administrativa da
empresa, conferindo ao ocupante amplo poder de decisão.
Não
é diferente a posição de Martins (2001,
p. 138) sobre o assunto relacionado à condição
de diretor de empresa, como mostra o excerto abaixo
transcrito:
Discute-se qual a condição
jurídica do diretor da sociedade: se ele é
empregado ou prestador de serviços sem vínculo
empregatício.
Em primeiro lugar, é
mister analisar a condição jurídica do
diretor no Direito Comercial, que pode trazer-nos subsídios
para a configuração de sua situação
jurídica em relação ao Direito do
trabalho.
As teorias que informam a
condição jurídica do diretor, no âmbito
do Direito Comercial, podem ser divididas em duas: teoria do
mandato e teoria do órgão da sociedade.
A teoria tradicional é
a que entende que o diretor age como mandatário da
sociedade, sendo o mandato revogável a qualquer tempo.
Notamos que o art. 295 do Código Comercial já
dispunha que as sociedades anônimas seriam
“administradas por mandatários revogáveis,
sócios ou não sócios”. A antiga
Lei das Sociedades por Ações, Decreto-lei n°
2.627/40, previa que a assembléia geral de acionistas
poderia nomear e destituir os membros da diretoria, do
conselho fiscal ou de qualquer outro órgão
criado pelos estatutos” (art. 87, a). Trajano de
Miranda Valverde (1953, v. 2:278) entendia, na vigência
da antiga lei das sociedades por ações, que o
diretor não era mandatário da sociedade, mas
membro de um dos órgãos decorrentes “do
aparelhamento da pessoa jurídica”.
Preconiza a teoria
contemporânea que o diretor não é
mandatário da sociedade, mas um dos órgãos
desta, agindo aquele em nome e como órgão da
companhia, pois a representa e pratica os atos necessários
a seu funcionamento regular, como menciona a atual Lei das
Sociedades por Ações (Lei n° 6.404/76, art.
144). A situação jurídica do diretor
estaria totalmente divorciada da de empregado, inexistindo
contrato de trabalho, pois o diretor integra um dos órgãos
da sociedade, não podendo ser empregado e empregador
ao mesmo tempo, visto que não se subordina a si
próprio.
A Lei n° 6.404/76
estabelece que o Conselho de Administração é
um órgão intermediário entre a
assembléia geral e a diretoria, sendo obrigatório
nas sociedades de capital aberto e autorizado (§ 2°
do art. 138). Havendo Conselho de Administração
na companhia, o diretor não responde diretamente
perante a Assembléia Geral. Os membros do Conselho de
Administração têm que ser necessariamente
acionistas, enquanto os diretores podem ser acionistas ou não
(art. 146). Ao Conselho de Administração
compete eleger e destituir os diretores, fixando suas
atribuições (art. 142,11). O mandato do diretor
será de, no máximo, três anos (art. 143,
III).
No
Direito do Trabalho, podemos dizer que existem duas teorias
para justificar a situação em que se encontra o
diretor da empresa, embora sejam encontrados os seus
desdobramentos: a primeira considera o diretor um mandatário
da sociedade, não gozando este de quaisquer direitos
trabalhistas, mas de vantagens estatutárias; a
segunda, em que o diretor é um verdadeiro empregado,
subordinado aos dirigentes máximos da empresa e até
mesmo ao Conselho de Administração, nas
sociedades que o possuem. (destacamos)
Não se pode dizer,
porém, que os altos empregados prescindem de proteção
da legislação trabalhista, pois o Direito do
Trabalho protege o trabalhador subordinado, independentemente
de sua posição hierárquica na empresa.
Se o empregado for eleito
diretor da empresa, são encontradas quatro orientações
para justificar sua situação na sociedade: (a)
há a extinção do contrato de trabalho;
(b) há a suspensão do contrato de trabalho; (c)
há a interrupção do contrato de
trabalho; (d) não se altera a situação
jurídica do empregado eleito para o cargo de diretor.
Mozart Victor Russomano
(1990:17) ensina que se extingue o contrato de trabalho do
empregado quando passa a exercer o cargo de diretor, ante a
incompatibilidade da existência do pacto laboral e do
mandato de diretor. Ocorre a renúncia por parte do
trabalhador de sua condição de empregado.
Terminado o mandato de diretor, este não tem direito
de ocupar o cargo que anteriormente ocupara na empresa.
Existiria, assim, uma contradição entre a
condição de diretor e de empregado, entre a
pessoa que dirige a sociedade e a pessoa subordinada à
mesma sociedade.
Délio Maranhão e
Luiz lnácio B. Carvalho (1992:58) sustentam a tese de
que se dá a suspensão do contrato de trabalho
quando o empregado é eleito diretor. Não seria
computado o tempo de serviço em que o diretor laborou
na sociedade, para efeito do contrato de trabalho, fazendo
jus o diretor apenas a retornar ao status quo ante, após
terminado o mandato na companhia. Inexistiria, portanto, a
rescisão do contrato de trabalho.
Evaristo
de Moraes Filho (1976:180) defende a posição de
que o contrato de trabalho fica interrompido, computando-se o
tempo de serviço no cargo de diretor para todos os
efeitos legais. Seria a hipótese de se aplicar o art.
499 da CLT, em que não há estabilidade no
exercício de cargo de diretoria, “ressalvado o
cômputo do tempo de serviço para todos os
efeitos legais”. O Supremo Tribunal Federal já
adotou esse pensamento, ao decidir que “o período
em que o trabalhador presta serviços como diretor
computa-se como tempo de trabalho para todos os efeitos”.
(AI 71.057/MG — Ac. TP,
j. 8-9-77, Rel. Min.
Cordeiro Guerra, in
LTr 42/65.)
Por último, J. Antero
de Carvalho (LTr 41/205) entende que a eleição
do empregado para ser diretor de sociedade não altera
sua situação jurídica, que continua a
ser a de empregado. Somente se o diretor for considerado dono
do negócio ou acionista controlador é que não
será empregado. A essa posição adere
Octávio Bueno Magano (1992, v. 2:139-140).
A jurisprudência mais
recente sufraga seis posições:
a) o exercício do cargo
de diretor não importa a suspensão do contrato
de trabalho;
b) persistindo a subordinação
inerente à relação de emprego, o vínculo
empregatício subsiste;
c) pode haver concomitância
das duas funções, de diretor e de empregado,
permanecendo inalteradas as atribuições
anteriores;
d) o fato de o empregado ser
eleito diretor faz com que o contrato de trabalho fique
suspenso;
e) o diretor é
subordinado ao conselho de administração das
sociedades anônimas, configurando, dessa forma, o
vínculo empregatício;
f) o diretor tem sua situação
regida pela lei das sociedades anônimas, não
sendo empregado.
Como vemos, a questão é
controvertida, não disciplinando a lei a situação
jurídica do diretor. A legislação apenas
considera que diretor é o que exerce “cargo de
administração previsto em lei, estatuto ou
contrato social, independentemente da denominação
do cargo” (art. 16 da Lei n° 8.036/90 que trata do
FGTS).
O Código Civil italiano
pelo menos dispõe que os dirigentes administrativos ou
técnicos são trabalhadores subordinados (art.
2.095), não perdendo, assim, a condição
de empregados.
O TST, porém, aprovou o
Enunciado 269, esclarecendo que “o empregado eleito
para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de
trabalho suspenso, não se computando o tempo de
serviço deste período, salvo se permanecer a
subordinação jurídica inerente à
relação de emprego”.
O verbete, contudo, não
prevê outras hipóteses, como a de o diretor
nunca ter sido empregado na empresa.
Certas disposições
da lei das sociedades anônimas têm que ser
trazidas à colação para melhor elucidar
a questão.
À primeira vista,
verificamos que os diretores podem ser destituídos ad
nutum pelo Conselho de Administração (art.
143), o que importaria dizer que haveria subordinação
do diretor ao conselho de administração, como
órgão intermediário entre a assembléia
geral e a diretoria, que exerce controle sobre os atos dos
diretores.
Outra ponderação
que deve ser analisada é a de que a alínea d
do § 1° do art. 157 da Lei n° 6.404/76
mostra o dever de informar do administrador, que deve revelar
“as condições dos contratos de trabalho
que tenham sido firmados pela companhia com os diretores e
empregados de alto nível”.
Segundo Alessandro Borgioli
(1975:144-145), “o diretor geral depende do Conselho de
Administração; é colocado sob a sua
imediata vigilância; esta relação de
dependência ou subordinação não
pode considerar-se senão como manifestação
da existência de um contrato de trabalho subordinado”.
O diretor apenas executaria as
deliberações do Conselho de Administração,
que tem o poder de o destituir.
A subordinação
ao Conselho de Administração pode, todavia, até
existir, mas não se deve considerar como regra, a
ponto de se admitir que em todos os casos o diretor é
empregado, principalmente nas sociedades nas quais não
exista aquele órgão. Entretanto, existe decisão
judicial observando que “se a subordinação
administrativa da diretoria de uma sociedade anônima
não é exclusivamente à assembléia
geral de acionistas, mas a um órgão
intermediário, a função de diretor é
dependente, configurando a subordinação
jurídica própria dos contratos de trabalho, e o
detentor do cargo, por via de conseqüência, não
é mandatário, mas empregado”. (TRT da 12ª
R., Proc. RO 326/82, Rel. Juiz Umberto Grillo, DJ SC
10-9-82, p. 352.)
Algumas distinções
devem ser feitas quanto ao diretor, inicialmente lembrando
que “as pessoas jurídicas têm existência
distinta da dos seus membros” (art. 20 do CC).
O empregado pode ser eleito
diretor e passar a exercer o cargo de diretoria, podendo ser
considerado diretor-empregado ou diretor-órgão,
dependendo do caso. Pode existir outra situação
de fato, quando a pessoa é contratada para ser
diretor, por suas qualificações técnicas,
o que vai depender do elemento subordinação
para a configuração da relação de
emprego.
Se o diretor é eleito
para a Diretoria por ser detentor do capital, dono do negócio
ou acionista controlador, não será empregado,
mas será regido pela legislação
comercial.
As empresas poderão
equiparar seus diretores não empregados aos demais
trabalhadores sujeitos ao regime do FGTS (art. 16 da Lei n°
8.036/90). Ao término do mandato na sociedade, o
diretor poderá levantar o FGTS. Deixando o diretor o
cargo, por sua iniciativa, só sacará o FGTS nas
hipóteses descritas no art. 4° da Lei n°
6.919/81.
Mais se aproxima o diretor da
condição de empregado se verificado o requisito
subordinação. É o caso de o diretor ter
horário fixo para trabalhar, ser controlado pelo
empregador por intermédio de cartão de ponto,
livro de ponto ou folha de ponto.
Estando o “diretor”
obrigado a cumprir ordens de serviço dos superiores,
sofrendo fiscalização, penalidades e
advertências, estará evidenciada a relação
de emprego. O diretor subordinado à presidência,
ou à vice-presidência ou a diretor
superintendente da empresa, que praticamente decide tudo e a
quem presta contas, não lhe dando margem a qualquer
decisão, é um verdadeiro empregado. O mesmo
ocorre se para admitir ou dispensar funcionários tenha
o diretor que consultar superiores, mostrando que não
tem nenhuma autonomia.
Quando o diretor é
recrutado do quadro de funcionários da própria
empresa, a relação de emprego torna-se mais
aparente. Se antes a pessoa era empregada e continua a fazer
o mesmo serviço como diretor, sem qualquer acréscimo
de atribuições, em que não se verifica
nenhuma mudança, será considerada empregado.
Não tendo a diretoria eleita nenhuma autonomia, pois é
apenas figurativa, sendo o diretor subordinado ao
gerente-geral, nota-se também a existência do
elemento subordinação. É o caso de todas
as decisões que envolvem grandes valores, como vendas
e investimentos, ou quanto a aumentos de salário e
outras decisões estratégicas, dependentes da
decisão de uma pessoa na empresa, a quem cabe a
palavra final sobre tais aspectos e a quem o diretor é
subordinado.
Como os honorários do
diretor são reajustados pela legislação
salarial ou dissídio coletivo da categoria, pode haver
um indício de sua condição de empregado,
pelo pagamento de salário e não de honorários.
Há casos em que o
diretor passa por várias empresas de um grupo
econômico, tendo mantido em muitas delas contrato de
trabalho, sendo admitido e readmitido em curtos períodos,
o que pode mostrar fraude, inclusive se aplicando por
analogia o Enunciado 20 do TST, pelo fato de o empregado
permanecer “prestando serviços, ou tiver sido,
em curto prazo, readmitido na empresa”.
O volume de ações
ou cotas da sociedade possuídas pelo diretor ou
empregado nem sempre determinará a condição
de dirigente. O diretor pode ter cotas ou ações
da empresa como investimento. E o caso de se lembrar do caixa
do banco que possui algumas ações do Banco do
Brasil, não se querendo dizer com isso que seja
dirigente do banco. Como leciona Amauri Mascaro Nascimento
(1992, p. 118), “não são incompatíveis
as condições de empregado e acionista da
sociedade anônima, desde que o número de ações
não se eleve a ponto de transformar o empregado em
subordinante e não em subordinado. Não há
um critério exato para definir qual o número de
ações que transformará a condição
do empregado. Será um número que lhe dê
condições de influir nos destinos da sociedade
em dimensão expressiva”.
O TST já decidiu que “o
fato de o empregado ser elevado à condição
de diretor, por eleição da assembléia
geral da sociedade empregadora, não determina a perda
daquela qualidade, a não ser que comprove que ele é
proprietário de ações a tal ponto que
configure vultoso capital, e a qualidade de proprietário
das ações tenha sido o motivo primordial de sua
investidura”. (TST, Pleno, Ac. 2.294/78 — Proc.
E-RR 662/76, j. 23-10-78, Rel. Min. Raymundo de Souza Moura,
DJ 16-3-79, p. 1.846.)
Pode, assim, a pessoa ter
influência nas decisões da sociedade como
acionista ou cotista, tendo 51% das ações ou
cotas, ou mesmo possuindo quantidade inferior, bastando que
tenha o controle das deliberações da sociedade,
pelo fato de a maioria das ações estar
pulverizada entre várias pessoas. Seria o caso de ter,
por exemplo, 10 ou 20% das ações ou cotas,
estando as demais ações ou cotas nas mãos
de várias pessoas, que, isoladamente, nada
representam.
Prestando
o diretor serviços para uma sociedade por cotas de
responsabilidade limitada, o vínculo de emprego pode
existir entre as partes, mormente quando o diretor não
tem qualquer cota da sociedade ou tem um número
reduzido delas, que não implique possibilidade de
influir nos destinos da empresa. Nesse sentido, o TST já
decidiu que o “diretor da sociedade limitada, que não
é sócio quotista, só pode ser empregado
para todos os efeitos legais, ainda quando já tinha
vínculo empregatício anterior com outra empresa
do mesmo grupo. Decisão do TRT que não ofende o
art. 13 do Decreto-lei 3.708/79”. (TST,
3ª T., Proc. RR
0186/86, Rel. Mi Guimarães Falcão, DJ1O5/86.)
Mesmo quando o diretor possui
procuração da empresa, podendo admitir e
dispensar funcionários, tendo padrão mais
elevado de vencimentos, mas ainda é subordinado a
alguém na empresa, existe o vínculo
empregatício. Apenas o empregado não teria
direito a horas extras, caso as prestasse, segundo o inciso
II, do art. 62 da CLT.
Assim, o nome dado ao cargo
pouco importa. Se a empresa rotula o empregado de diretor,
mas permanece algum elemento do contrato de trabalho,
principalmente a subordinação, nada irá
mudar sua situação de empregado.
Nos exemplos apontados, o
suposto diretor mais se caracteriza como empregado de
confiança do que como órgão da
sociedade. Seria o caso de se aplicar o ad. 499 da CLT que,
em nosso modo de ver, refere-se ao diretor-empregado. Não
haveria, assim, estabilidade no cargo de diretor, mas seria
computado o tempo de serviço para todos os efeitos
legais.
Muitas vezes, as fraudes são
verificadas nas sociedades de capital e indústria, em
que o sócio que empresta seu trabalho é
subordinado, nada tendo de sócio, mas de verdadeiro
empregado.
Os
textos retrotranscritos, embora pareçam demasiadamente
extensos, mostram-se necessários para a discussão,
dando o panorama da situação do diretor de
empresa frente à legislação trabalhista.
A
despeito da controvérsia existente em torno da
matéria, acredita-se que a discussão pode ser
simplificada, colocando-se, novamente, os aspectos essenciais
à frente dos acidentais.
Ora,
se o diretor não é proprietário da
empresa e não é profissional liberal prestador
de serviços (auditoria, consultoria, assessoria),
somente pode ser tido como empregado, pois estará,
inelutavelmente, subordinado a alguém, que é(são)
o(s) proprietário(s), diretamente ou por representação
de órgão colegiado. Esse proprietário,
detém o poder de nomeação e de demissão,
é o chefe, é o patrão, ou outra figura
equivalente, enfim, é quem efetivamente determina os
destinos da empresa.
A
atuação do diretor, por mais liberdade de
decisão que detenha, sempre estará jungida às
diretrizes fixadas pelo ente que o nomeou, pouco importando
se a forma de nomeação decorreu de decisão
singular, de decisão colegiada; de livre vontade ou em
decorrência de disposições estatutárias.
Nesse
sentido, tem-se como acertada a posição adotada
pelo egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST, por
intermédio do Enunciado n° 269, de considerar o
vínculo empregatício sempre que constatada a
subordinação do diretor, o que, em princípio,
sempre ocorrerá.
Feitas
essas considerações, para os fins do presente
estudo, pressupõe-se que os diretores de empresas
estatais são empregados dessas entidades públicas,
afastando-se, também, maiores discussões sobre
a ocorrência de suspensão, de interrupção
ou de extinção do contrato de trabalho do
diretor que já mantém vínculo de emprego
com a empresa.
6.2
NOMEAÇÃO
6.2.1
Formalidades
Os
mecanismos de nomeação dos diretores de
empresas estatais podem variar de acordo com a forma de
constituição da entidade. Sobre o assunto,
conforme já salientado anteriormente, Ferreira (2003,
p. 84) faz o seguinte destaque:
Os
agentes da Administração Empresarial, ou seja,
das empresas públicas e sociedades mistas, são:
(a)
Administradores e Membros do Conselho Fiscal -
titulares de mandatos, exercidos nos órgãos
estruturais estatutários dessas pessoas privadas
(diretoria, conselho de administração, conselho
fiscal), escolhidos pela entidade controladora ou pela
assembléia-geral da própria empresa ou
sociedade, segundo a hipótese. O conteúdo das
respectivas situações jurídicas está,
conforme o caso, nas normas de Direito Societário,
Civil, Comercial, e no Direito Administrativo (lei criativa
ou autorizativa da criação, decreto
instituidor, estatutos). Dispõem a respeito desses
órgãos, e administradores e conselheiros, os
arts. 37, § 8°, e 173, §1°, IV e V, da CF;
e os arts. 239, e parágrafo único, e 240 da Lei
n° 6.404/76.
Sob
quaisquer das formas em que se revestir a nomeação
do diretor de empresa estatal, estará esse agente
público representando aquele que detém poderes
para controlar a entidade, seja a nomeação
feita de forma direta, como ocorre em relação à
Caixa Econômica Federal, ou de forma indireta, nos caso
de nomeação por intermédio de
assembléias de acionistas ou órgãos
colegiados, conforme disposições estatutárias.
Desse
modo, regra geral, o Chefe do Poder Executivo sempre será
a autoridade delegante do poder de administração
da empresa estatal, ressalvadas as garantias dos acionistas
minoritários, no caso das sociedades de economia
mista, conforme estabelece o artigo 240 da Lei n°
6.404/76.
Importante
frisar também que o cargo de confiança próprio
da iniciativa privada, nas empresas estatais, normalmente, é
chamado de emprego em comissão (EC), verificando-se,
nesse particular, o misto de cargo de confiança da
legislação trabalhista e cargo comissionado do
regime estatutário, em vista do imperativo
constitucional que exige prévia aprovação
em concurso público para ingresso no Serviço
Público, exceto para o cargo em comissão, cujo
ocupante é demissível ad nutum (artigo
37, inciso II).
6.2.2
Delegação de poderes
Aliada
à distinção da natureza das atividades
das empresas estatais e do seu regime jurídico
administrativo, há outro fator preponderante na
administração dessas entidades, não
discutido pela doutrina administrativista, que é a
natureza da delegação de poderes ao
administrador.
Embora
jungidas as empresas estatais à observância das
regras de mercado em específicas condições
determinadas pelo próprio texto constitucional,
conforme já verificado, a sua administração
deve visar ao interesse público, cuja condução
está a cargo da autoridade eleita para o cargo do
Poder da República que detém o controle da
estatal.
Com
isso, de admitir-se que essa autoridade máxima do
Poder Público, a quem compete a administração
do Estado, dentro da sua competência, no exercício
do cargo, tem a sua conduta regrada por normas de Direito
público, devendo agir dentro dos limites que a lei e o
interesse público a permitirem.
Assim,
seria ilógico pensar que o Administrador de uma
pequena parte do Estado pudesse agir conforme a sua vontade,
enquanto que a autoridade superior tem as suas ações
limitadas por normas de Direito público.
Se
o poder da autoridade que detém a prerrogativa de
nomear e exonerar, direta ou indiretamente, o dirigente de
empresa estatal está circunscrito por normas de
Direito público, muito mais razão há
para entender-se que o agente delegado dessa autoridade
também não possui liberdades irrestritas de
atuação. A autoridade à qual foi
delegada a função administrativa não
pode deter maiores poderes que a autoridade que procedeu à
delegação.
Isso
também reforça a convicção de que
nada há no ordenamento jurídico brasileiro
sustentando o entendimento de que um administrador, nomeado
pela vontade de um representante do povo, administrador esse
demissível ad nutum, possa vir a fazer e a
acontecer durante a sua gestão frente a uma entidade
pública, agindo como agiria um administrador privado.
A
partir dessas constatações, parece possível
concluir que dos poderes limitados concedidos ao Chefe do
Executivo não se podem extrair poderes ilimitados para
administrar as empresas estatais. Seriam despropositadas
quaisquer incursões nesse sentido.
6.3
REMUNERAÇÃO
Conforme
já visto, à luz da legislação
trabalhista, o diretor ocupa cargo de confiança, sendo
esse cargo nas empresas estatais, regra geral, denominado
emprego em comissão (EC), havendo um misto de cargo de
confiança da iniciativa privada e de cargo em comissão
do regime estatutário.
A
fixação dos valores da remuneração
desses cargos pode ocorrer das mais variadas formas, conforme
a natureza jurídica e a maneira de administração
da empresa estatal em questão. Assim, as remunerações
dos empregos em comissão podem ser fixadas em planos
de cargos e salários, em convenção
coletiva ou dissídio coletivo, ou, até mesmo,
em normas regulamentares do Poder Executivo, seja diretamente
por meio de decretos ou mediante aprovação
órgãos colegiados, como o Conselho de Política
de Pessoal do Distrito Federal.
6.4
ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES
PÚBLICAS
Segundo
a doutrina de Meirelles (2001, p. 410), a proibição
de acumular cargos empregos e funções públicas
no Brasil remonta à Administração
imperial, como mostra o trecho seguinte da obra do saudoso
autor:
A
proibição de acumulação
remunerada de cargos, empregos e funções, tanto
na Administração direta como nas autarquias,
fundações, empresas públicas, sociedades
de economia mista, suas subsidiárias e sociedades
controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público
(CF, art. 37, XVI e XVII), visa a impedir que um mesmo
cidadão passe a ocupar vários lugares ou a
exercer várias funções sem que as possa
desempenhar proficientemente, embora percebendo integralmente
os respectivos vencimentos. As origens dessa vedação
vêm de longe, ou seja, do Decreto da Regência, de
18.6.1822, da lavra de José Bonifácio, cuja
justificativa tem ainda plena atualidade quando esclarece que
por ele "se proíbe que seja reunido em uma só
pessoa mais de um ofício ou emprego, e vença
mais de um ordenado, resultando manifesto dano e prejuízo
à Administração Pública e às
partes interessadas, por não poder de modo ordinário
um tal empregado público ou funcionário cumprir
as suas funções e as incumbências de que
duplicadamente encarregado, muito principalmente sendo
incompatíveis esse ofícios e empregos; e,
acontecendo, ao mesmo tempo, que alguns desses empregados e
funcionários públicos, ocupando os ditos
empregos e ofícios, recebam ordenados por aqueles
mesmo que não exercitam, ou por serem incompatíveis,
ou por concorrer o seu expediente nas mesmas horas em que se
acham ocupados em outras repartições".
Tais
dispositivos historicamente verificados na legislação
brasileira, hoje, estão insculpidos no artigo 37,
incisos XVI e XVII, da Constituição Federal de
1988, com a seguinte redação:
Art.
37. A administração
pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da
União, dos Estados, Do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
XVI
- é
vedada a acumulação remunerada de cargos
públicos, exceto, quando houver compatibilidade de
horários, observado em qualquer caso o disposto no
inciso XI:
a)
a de dois cargos de professor;
b)
a de um cargo de professor com outro técnico ou
científico;
c)
a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de
saúde, com profissões regulamentadas;
XVII
- a
proibição de acumular estende-se a empregos e
funções e abrange autarquias, fundações,
empresas públicas, sociedades de economia mista, suas
subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou
indiretamente, pelo poder público;
Nessa
linha, para viabilizar a nomeação de servidores
públicos efetivos para ocuparem cargo, emprego ou
função comissionada na Administração
Pública, há mecanismos legais que evitam a
incidência de acumulação ilícita.
O
principal mecanismo é o que se chama de "opção"
pela remuneração do cargo efetivo ou pela
remuneração do cargo comissionado. Assim, mesmo
ocupando um cargo ou emprego efetivo e um cargo ou função
comissionada, o agente público não incorrerá
na acumulação ilícita vedada pela
Constituição Federal de 1988, pois não
perceberá a integralidade das duas remunerações.
No
âmbito do Distrito Federal, essa matéria é
regulada por meio dos Decretos n° 7.862/84 e 18.939/97,
estabelecendo que o optante pela remuneração do
emprego ou cargo efetivo fará jus a 55% da remuneração
do respectivo emprego em comissão.
Em
decorrência disso, o servidor ocupante de cargo ou
emprego ou o empregado ocupante de emprego efetivo que é
nomeado para o cargo de direção fica obrigado a
optar pela integralidade da remuneração do
emprego em comissão, em detrimento da remuneração
do cargo ou emprego, ou pela remuneração do
cargo ou emprego efetivo, acrescido de certo percentual da
remuneração do emprego em comissão,
conforme dispuser a legislação.
Esse
sistema de remuneração traz implicações
bastante importantes para a fixação do teto de
remuneração, porque existe a possibilidade de o
servidor ou o empregado vir a incorporar à sua
remuneração a parcela percebida em
contrapartida pelo desempenho do emprego em comissão,
conforme exposto a seguir.
6.5
INCORPORAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DO
EMPREGO EM COMISSÃO
Desde
a Década de 70, vem-se discutindo o direito do
empregado ou servidor público à incorporação
da remuneração do cargo comissionado, como
vantagem pessoal.
Na
esteira de várias decisões da Justiça do
Trabalho, em relação a empregados celetistas,
inclusive de empresas privadas, foi editada a Lei n°
6.732/79, permitindo a incorporação das
parcelas de "quintos", calculadas na base de 1/5 da
remuneração do cargo ou função
comissionada, por ano de exercício, a partir do sexto
ano.
Muito
se discutiu também se os empregos em comissão,
as funções comissionadas, as funções
gratificadas etc exercidas nas empresas estatais dariam
direito a essa incorporação, considerando-se a
acepção genérica de Administração
Pública, muitas vezes suscitadas para permitir uma ou
outra vantagem.
Fato
é que, após 1985, havendo manifestação
favorável da Procuradoria Geral do Distrito Federal
(Parecer n° 2321/85), os servidores do Distrito Federal
passaram a incorporar a vantagem dos "quintos"
prevista na Lei n° 6.732/79 com base em cargos e funções
comissionadas desempenhadas em empresas estatais do Distrito
Federal.
Na
União, o posicionamento do Tribunal de Contas da União
- TCU não permitiu a mesma incorporação,
embora admitisse a Corte de Contas federal a contagem dos
períodos de exercício de cargos e funções
comissionadas em empresas estatais para fins de preenchimento
da carência de cinco anos exigida pela Lei n°
6.732/79.
Posteriormente,
em julho de 1994, a matéria sofreu modificações,
por conta da regulamentação do § 2° da
Lei n° 8.112/90, feita por meio da Lei federal n°
8.911/94.
Ainda,
na União, houve a edição da Medida
provisória n° 831/95, transformando os "quintos"
em vantagem pessoal nominalmente identificada, e no Distrito
Federal conforme as Leis n° 1.004/96 e 1.141/96, em vez
"quintos", os servidores passaram a incorporar
"décimos", sendo 1/10 para cada ano de
exercício.
Atualmente,
na área federal e no Distrito Federal, não há
mais permissão para incorporar-se parcelas da
remuneração dos cargos e funções
comissionadas, em vista da Medida Provisória n°
831/95, na esfera federal, e da Lei n° 1.864/98, no
Distrito Federal, mas remanescem situações da
antiga legislação que serão afetadas
pelos atuais dispositivos constitucionais que cuidam do teto
de remuneração dos agentes públicos.
É
que a vantagem dos "quintos" ou "décimos"
corresponde ao que se chama de "vantagem pessoal",
pois decorre apenas do atendimento de certos requisitos
legais. Na espécie, a lição de Meirelles
(2001, p. 450) diz tratar-se de vantagem pro labore facto,
ou seja, em razão de trabalho já realizado,
bastando o preenchimento das exigências legais para
haver a incorporação da vantagem ao patrimônio
subjetivo do empregado ou servidor. O mesmo ocorre em relação
à vantagem "adicional por tempo de serviço",
bastante comum na iniciativa privada, também.
7
DISCUSSÕES SOBRE O TEMA
7.1
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
A
redação original da Constituição
Federal de 1988 dispunha sobre limites de remuneração
no Serviço Público da seguinte forma:
Capítulo
VII - Da Administração Pública
Seção
I - Disposições Gerais
Art.
37. A administração
pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e,
também, ao seguinte:
[...]
XI
- a lei fixará o limite
máximo e a relação de valores entre a
maior e a menor remuneração dos servidores
públicos, observados, como limites máximos e no
âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos
como remuneração, em espécie, a qualquer
título, por membros do Congresso Nacional, Ministros
de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus
correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos
Territórios, e, nos Municípios, os valores
percebidos como remuneração, em espécie,
pelo Prefeito;
A
União federal regulamentou a matéria por
intermédio da Lei n° 8.852/94, mas dá-se
especial destaque à Lei do Distrito Federal n°
237/92, pois essa lei foi a primeira a ser questionada
perante o Supremo Tribunal Federal - STF, como visto adiante.
A propósito, esse é o teor da Lei n°
237/92:
Art.
1º - Nenhum servidor da Administração
Direta, Autárquica ou Fundacional poderá
perceber, mensalmente, a título de remuneração,
proventos ou pensão, importância superior à
soma dos valores percebidos como remuneração,
em espécie, a qualquer título por Secretário
de Estado.
Parágrafo
Único – Excluem-se do teto de remuneração
de que trata o caput deste artigo as vantagens
previstas nos incisos II a VII do artigo 61 da Lei Federal nº
8.112, de 11 de dezembro de 1990, bem assim as vantagens de
caráter pessoal de qualquer natureza.
Art.
2º - O disposto no artigo anterior aplica-se à
remuneração dos dirigentes e empregados das
empresas públicas e sociedades de economia mista
controladas direta ou indiretamente pelo Distrito Federal,
mediante deliberação das respectivas
Assembléias Gerais.
Art.
3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,
produzindo efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro
de 1992.
Art.
4º - Revogam-se as disposições em
contrário.
Com
o advento da Emenda Constitucional n° 19/98, além
de implementarem-se modificações no caput
e no inciso XI do artigo 37, acrescentou-se o § 9°,
ficando os comandos constitucionais com a seguinte redação:
Art.
37.
A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:
[...]
XI
- a remuneração e o subsídio dos
ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e
dos demais agentes políticos e os proventos, pensões
ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens
pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão
exceder o subsídio mensal, em espécie, dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal;
[...]
§
9º O
disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas
e às sociedades de economia mista, e suas
subsidiárias, que receberem recursos da União,
dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios
para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em
geral.”
Atualmente,
após a Emenda Constitucional n° 41/03, a redação
do inciso XI do artigo 37 da Constituição
Federal de 1988 é a seguinte:
XI
- a remuneração e o subsídio dos
ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e
dos demais agentes políticos e os proventos, pensões
ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens
pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão
exceder o subsídio mensal, em espécie, dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como
limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito,
e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal
do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio
dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder
Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do
Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e
vinte e cinco centésimos por cento do subsídio
mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, no âmbito do Poder Judiciário,
aplicável este limite aos membros do Ministério
Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
Destarte,
três situações distintas envolvendo o
teto constitucional são extraídas das normas
legais aplicáveis.
Primeiramente,
com a redação original do inciso XI do artigo
37 da Constituição Federal, o limite de
remuneração era disciplinado em lei ordinária,
ficando de fora dessa limitação as vantagens
pessoais.
Em
segundo lugar, a partir da EC n° 19/98, o teto passou a
abranger também as vantagens pessoais, mas, em vista
da ausência de fixação dos subsídios
que serviriam de base para o limite, ficaram valendo as
regras anteriores.
Por
último, nada obstante o texto introduzido pela EC n°
19/98, somente a partir da edição da EC n°
41/03, fechou-se acordo entre os Poderes da República,
sobre os subsídios, surgindo a terceira situação,
abrangendo todas as parcelas percebidas pelo servidor,
inclusive, as vantagens pessoais.
7.2
POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO
A
doutrina administrativista tradicional não traz
grandes considerações sobre o tema,
limitando-se a afirmar o caráter dúplice do
regime jurídico aplicável às empresas
estatais, o que levaria ao entendimento de que tais entidades
estariam sujeitas às regras de licitação,
de concurso público, de acumulação de
cargos etc. Porém, não se faz, sequer, menção
a respeito do disposto no inciso XI do artigo 37 da
Constituição Federal de 1988.
Em
estudo desenvolvido por Ferreira (2003, p. 87), o assunto foi
examinado, apresentando-se as seguintes conclusões:
[...]
15.6.
Há necessidade, portanto, de identificar-se, em
relação a cada regra, sua exata destinação.
Toda essa evolução dos trabalhos constituintes
impõe, com efeito, que se precise. com referência
a cada dispositivo, sua destinação específica.
15.7.
Podemos, no entanto, desde logo, assinalar: (a) o art. 37
encerra vários incisos e parágrafos que se
dirigem a todos os agentes públicos, inclusive membros
dos Poderes Políticos e instituições de
provedoria de justiça; mas outros, apenas, a
determinadas categorias; (b) No tocante às empresas
administrativas e às subsidiárias
paradministrativas, estão elas submetidas às
regras do art. 37, apenas quando explicitamente referidas.
16.
Fixemo-nos, tendo em vista o objeto do presente estudo, na
distinção, constitucional, do tratamento entre
emprego como gênero; e emprego publico, como espécie
própria da Administração Direta,
Autárquica e Fundacionais.
16.1.
No sentido genérico, a abranger os empregos públicos,
da Administração Direta, autárquica e
fundacional, e também os empregos nas empresas
públicas e mistas, e, em alguns casos, das
subsidiárias paradministrativas, citem-se os seguintes
dispositivos constitucionais:
(a)
art. 14, § 9° - ‘abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração
direta ou indireta’;
(b)
art. 37, XVII - extensão da proibição de
acumular a empregos, inclusive em empresas públicas e
sociedades de economia mista e suas subsidiárias,
(c)
art. 37, § 3°, III - ‘representação
contra o exercício negligente ou abusivo de cargo,
emprego ou função na administração
pública’;
(d)
art. 37, § 7° - ‘restrições ao
ocupante de cargo ou emprego da administração
direta e indireta que possibilite o acesso a informações
privilegiadas’;
(e)
art. § 4°, I, b - vedação a Deputados
e Senadores, ‘desde a expedição do
diploma ‘de aceitar ou exercer' ‘emprego
remunerado’ em ‘pessoa jurídica de direito
público, autárquica, empresa pública,
sociedade de economia mista ou empresa concessionária
de serviços público’;
(f)
art. 114 - competência, da Justiça do Trabalho,
para dissídios entre ‘trabalhadores e
empregadores, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública
direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal,
dos Estados e da União’;
(g)
art. 142, § 3°, III - posse, de militar da ativa,
‘em cargo, emprego ou/unção pública
civil temporária, não eletiva, ainda que da
administração indireta’.
16.2.
Diversamente, a espécie emprego público é
identificada, pela CF, como modalidade de situação
jurídico-funcional própria dos agentes
públicos, específica da Administração
Direta, Autárquica e Fundacional, conforme se verifica
pela dicção dos dispositivos que se seguem:
(a)
art. 37, Xl - limite estipendial dos ‘ocupantes de
cargos, funções e empregos públicos da
administração direta, autárquica e
fundacional’;
(b)
art. 38, I, IV - limite, situação do exercente
de mandato eletivo, ‘servidor público da
administração direta, autárquica e
fundacional’, em relação a seu ‘cargo,
emprego ou função’;
(c)
art. 39, § 6° - publicação anual,
pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, dos
‘valores do subsídio e da remuneração
dos cargos e empregos públicos’;
(d)
art. 40 - filiação, ao regime geral de
previdência social, do servidor ocupante de ‘emprego
público’;
(e)
arts. 51, IV, e 52, XlII - competência privativa, da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, para dispor
sobre ‘cargos, empregos e funções de seus
serviços’;
(f)
art. 61, § 1°, a - iniciativa privativa do
Presidente da República ‘das leis que disponham
sobre criação de cargos, funções
ou empregos públicos na administração
direta e autárquica ou aumento de sua remuneração’.
A
abordagem acima foi procedida a propósito da
manifestação do Relator da Constituinte,
Senador Bernardo Cabral, da seguinte forma:
Promovi
substancial redistribuição dos dispositivos
aprovados em primeiro turno, para compatibilizar seus
mandamentos com o princípio constante do título
da Ordem Econômica (art. 173, § 1°), que
submete as entidades estatais, no tocante às
obrigações trabalhistas, ao regime fixado para
as empresas privadas, e, assim, obstar desvirtuamento da
'mens legislatoris' em interpretações futuras.
Com esse intuito, reuni na Seção I (Das
Disposições Gerais) os preceitos que dizem
respeito aos diversos segmentos de Administração
Pública e aos servidores em geral, independentemente
de seu regime jurídico. Na Seção II,
agrupei os dispositivos aplicáveis apenas aos
servidores civis da administração direta,
autárquica e fundacional.
Verifica-se,
assim, que a conclusão apresentada no mencionado
estudo choca-se com a manifestação do Senador
Bernardo Cabral, por entender o estudioso que nem todos os
dispositivos constantes dos incisos do artigo 37 da
Constituição Federal de 1988 são
aplicáveis às empresas estatais, porque a
referência a "emprego" diria respeito apenas
à Administração direta, autárquica
e fundacional, nos termos expressos no inciso XI do referido
artigo.
A
abordagem em questão exigiria maiores questionamentos,
porque a doutrina não é uníssona na
definição de emprego público. Há
quem diga que os empregados de empresas estatais são
empregados públicos (Meirelles: 2001, p. 383;
Figueiredo: 2003, p. 118; Di Pietro: 2004, p. 434), o que
traria dificuldades para a aceitação da tese de
Ferreira.
Aliás,
a opinião de Figueiredo (2003, p. 118) é
exatamente em sentido oposto, entendendo que:
"Parece-nos,
de conseguinte, que, quando a Constituição
refere-se a empregos, está a falar precipuamente das
empresas estatais, e, além destas, daquela
possibilidade de admissão de empregados temporários
para a Administração Central, por força
de necessidades temporárias, inadiáveis, e de
alto interesse público".
No
entanto, data venia, esse caminho prende-se aos
aspectos meramente superficiais das entidades em estudo, por
desvincular-se da verdadeira conceituação de
empresas públicas como sendo instrumentos de atuação
do Estado. O fato de os empregados das empresas estatais
serem chamados "empregados públicos" ou
"empregados de empresas estatais" mostra-se
irrelevante para a definição da matéria.
De
mais a mais, admitir-se que o caput do artigo 37 da
Constituição Federal de 1988 faz menção
a todas as entidades públicas e que os seus incisos
têm alcance limitado, data venia, não é
interpretação das mais consistentes.
7.3
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF
O
posicionamento do Pretório Excelso sobre a questão
do teto dos empregados de empresas estatais pode ser
discutido a partir do julgamento da ADIn n° 787/DF, pela
qual se questionou o teor da Lei distrital n° 237/92,
conforme já adiantado anteriormente.
A
partir desse julgamento, o mesmo entendimento foi repetido no
julgamento das ADIn n° 905 e 906, contra a Lei n°
10.331/93 do estado do Paraná; 1033, contra a Lei
federal n° 8.852/94; 1282 e 1590, contra o Decreto n°
35.265/92, do Governo do Estado de São Paulo.
Na
oportunidade, o debate foi bastante intenso, em torno do
alcance do disposto no inciso XI do artigo 37 da Constituição
Federal de 1988, resultando no indeferimento da medida
cautelar pleiteada.
Com
efeito, ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio,
Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, entendendo que os
empregados de empresas estatais não estavam abrangidos
pelos ditames constitucionais, pois que vinculados às
respectivas empresas sob as normas do Direito privado.
A
maioria, contudo, seguiu o voto apresentado pelo Ministro
Octávio Gallotti, partindo da premissa de que as
empresas estatais integram a Administração
Pública mencionada no caput do artigo 37 da
Constituição Federal, estando sujeitas,
portanto, ao que dispõe os incisos e parágrafos
do referido artigo, regras essas aplicáveis a todas as
entidades públicas, a despeito do regime de Direito
privado fixado no artigo 173 da Constituição
Federal.
Pela
importância do debate, transcrevem-se a seguir as
manifestações ocorridas:
O SENHOR MINISTRO OCTÁVIO
GALLOTTI (RELATOR): - A norma discutida acha-se radicada no
art. 37 da Constituição, cujo caput se
refere à "administração pública
direta, indireta ou fundacional” expressão para
a qual, pelo menos no tocante ao item XI do dispositivo (teto
de remuneração), o Requerente preconiza o
sentido (mais restritivo) de administração
pública direta, autárquica ou fundacional.
Do tratamento que se vier a
dar a essa premissa, irradiará a solução
das demais questões suscitadas na petição
inicial pois, uma vez legitimada a sujeição, ao
teto constitucional, dos empregados das sociedades mistas e
empresas públicas — como entes de administração
indireta — autorizada estará a exceção
que o legislador ordinário, nesse ponto, estabelece ao
seu regime de remuneração.
Diante dessa consideração
preambular, e sem prejuízo do detido exame de mérito,
que haverá de merecer a controvérsia, não
reputo configurado, no caso, um relevo de fundamentação
jurídica, suficiente para a concessão da
liminar.
No tocante ao perigo da
demora, pondero que o caráter alimentar dos salários,
ligado às necessidades de subsistência, desce de
pronto, na espécie dos autos, onde a diferença
discutida é só aquela que ultrapassa o valor da
retribuição do cargo de Secretário de
Estado.
Ante o exposto, indefiro o
pedido de medida cautelar.
O SENHOR MINISTRO MARCO
AURÈLIO - Senhor Presidente, tenho a matéria
como relevante e, além do relevante, vejo, no caso,
não só o sinal do bom direito, no que pleiteada
a liminar, como também o risco de manter-se, com plena
eficácia, o preceito.
É certo que o artigo 37
da Constituição Federal prevê que o que
nele se contém é aplicável à
“administração pública direta,
indireta ou fundacional”. Há alusão à
administração indireta, e todos sabemos que a
administração indireta é integrada,
também, pelas empresas publicas e sociedades de
economia mista. Contudo, a razão de ser da referência
à expressão "administração
indireta” está no fato de essa expressão
alcançar, também, es autarquias e se quis
colocar os respectivos servidores sob a égide desse
artigo. Os prestadores de serviços das sociedades de
economia mista e das empresas públicas não são
servidores, não percebem vencimentos, são
empregados, porque contratados pela Consolidação
das Leis do Trabalho, e recebem unicamente salários.
Ora, se firmo essa premissa e
se considero que temos, nos incisos pertinentes do referido
artigo 37, a alusão a vencimentos e a servidores
públicos, afasto, pelo menos ao primeiro exame, a
abrangência da menção contida no caput
à administração pública indireta,
a ponto de alcançar pessoas jurídicas de
direito privado, como o são as sociedades de economia
mista e as empresas públicas.
Não obstante, há
mais, Senhor Presidente: o legislador constituinte de 1988,
quando quis, lançou dispositivo abrangendo, também,
os prestadores de serviço das empresas públicas
e das sociedades de economia mista. Refiro-me à
previsão do inciso XVII do citado artigo 37. Quanto à
acumulação, houve alusão, aí sim,
explícita, às demais pessoas jurídicas
que integram, além das autarquias, a administração
indireta.
Indo além, verifico que
no artigo 173, § 1°, da Constituição
Federal, emprestou-se aos empregados das empresas públicas
e das sociedades de economia mista — por via indireta,
é certo — um tratamento todo próprio, ao
apontar-se que, no tocante às obrigações
trabalhistas, essas pessoas jurídicas ficam submetidas
à legislação geral, portanto, à
Consolidação das Leis do Trabalho.
Alfim, Senhor Presidente,
porque não me defronto com hipótese que envolva
servidor ou vencimentos em si, peço vênia ao
nobre Relator para deferir a liminar e suspender a eficácia
do artigo 2° da Lei n° 237, do Distrito
Federal, que tem a seguinte redação:
"O disposto no artigo
anterior aplica-se à remuneração dos
dirigentes e empregados das empresas públicas e
sociedades de economia mista controladas direta ou
indiretamente pelo Distrito Federal, mediante deliberação
das respectivas Assembléias Gerais.
O artigo anterior cogita do
teto representado pelo que percebido pelo Secretário
de Estado.
É como voto na hipótese
dos autos.
O
SENHOR MINISTRO OCTÁVIO GALLOTTI (RELATOR) - Senhor
Ministro Marco Aurélio, não sei se o Tribunal
Superior do Trabalho tem jurisprudência sobre esse item
específico do artigo 37. A inicial informa que, quanto
ao inciso referente ao direito de greve, aquele Tribunal
Superior do Trabalho considerou que só é
aplicado à Administração indireta
autárquica. Agora, devo informar, ao Tribunal, que no
plano da Administração -
isto é,
no
Tribunal de Contas da União, na Consultoria-Geral da
República e na Procuradoria-Geral da Fazenda -
a
orientação é no sentido de que se
aplica, aos empregados das sociedades de economia mista, esse
teto constitucional; assim como o inciso relativo ao concurso
também foi considerado aplicável às
empresas públicas e sociedades de economia mista. E
receio que, se começarmos a excluir incisos desse
artigo 37, da incidência do caput,
que abrange toda e Administração indireta,
acabaremos por esvaziar todo o conteúdo do texto
constitucional hoje, o teto, amanhã a exigência
do concurso, depois a exigência da licitação,
e esse caput
do artigo
37, poderá, penso eu, terminar inteiramente abolido
pela jurisprudência.
Era esse o esclarecimento que
eu queria prestar ao eminente Ministro Marco Aurélio.
O SENHOR MINISTRO MARCO
AURÉLIO - Veja V. Exª., Senhor Ministro:
se entendermos que o limite alusivo a vencimentos também
é aplicável a esses empregados, e não
apenas aos servidores, caminharemos para assentar que também
se aplica, às relações jurídicas
mantidas, o preceito do artigo 37 que veda a vinculação,
que veda a equiparação salarial e aí
afastaremos, por via de conseqüência, a incidência
do artigo 173, § 1°, da Carta. Agora, há mais
um dado: é que, sob a égide da Constituição
pretérita, creio que jamais esta corte entendeu
aplicável aos empregados de sociedades de economia
mista e aos empregados de empresas públicas a vedação
do artigo 102, § 2°, quanto à percepção,
na inatividade, de proventos superiores ao que percebido em
atividade. Por isso, creio que precisamos, nessa referência
à administração indireta, sopesar,
também, as repercussões de se empregar um rigor
maior quanto aos preceitos alusivos às vedações.
Não consigo, de forma alguma, enquadrar um prestador
de serviço de uma sociedade de economia mista como
servidor; não consigo, de forma alguma, apontar que o
que ele percebe é vencimento, e não salário;
não consigo afastar do cenário jurídico
a possibilidade de ele entrar, no âmbito da Justiça
do Trabalho, com uma reclamação trabalhista
objetivando a isonomia, a equiparação salarial,
considerado o que percebido por um que exerça função
idêntica.
O SENHOR MINISTRO OCTÁVIO
GALLOTTI (RELATOR) - Veja V. Exª. que a Constituição
de 67 tinha uma seção intitulada “DOS
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS’, e a atual tem
capítulo denominado “DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA".
O
SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Porque deixamos de ter
o regime estatutário. A supremacia do Estado foi
alijada, e em boa hora, do cenário jurídico.
Hoje, no âmbito Federal, lavra-se um termo a ser
assinado pelas partes, do qual as devem constar as
atribuições, os devedores, as responsabilidades
e os direitos inerentes ao cargo ocupado que, na dicção
legal, "não poderão ser alterados
unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos
de ofício previstos em lei" -
artigo 13
da Lei n° 8.112/90. Isto decorreu, posso afirmar, da
cláusula relativa à irredutibilidade dos
vencimentos (sentido lato) consagrada constitucionalmente no
inciso XV do artigo 37 em comento.
Defiro a medida cautelar.
O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO:
- Sr. Presidente, a legislação trabalhista se
aplica, integralmente, nas ralações de trabalho
entre as empresas públicas, sociedades de economia
mista e entidades que explorem atividade econômica e
seus empregados. Isto deflui do que está posto no §
1° do art. 173 da Constituição.
A questão a saber em
seguida é esta: aplicável a legislação
trabalhista, por força da Constituição,
seria possível a fixação de um teto
salarial a ser observado em relação a esses
servidores, vale dizer, o teto que se aplica aos servidores
públicos? Penso que é possível a fixação
desse teto, desde que, evidentemente; não implique
desrespeito a direito adquirido e ao principio da
irredutibilidade salarial.
Assim, considerado em
abstrato, não vejo, no dispositivo posto no art. 2°,
relevância no fundamento da inicial no sentido da
inconstitucionalidade desse dispositivo.
Assim, acompanho o Sr.
Ministro Relator, ressalvando, todavia, que esse dispositivo
há de ser aplicado com respeito aos direitos
adquiridos e à irredutibilidade salarial dos
servidores das empresas publicas e sociedades de economia
mista referidos no mencionado art. 2° da Lei 237 do
Distrito Federal, de 20 de janeiro de 1992.
Com essas breves considerações
e com a ressalva expressa ora feita, peço vênia
ao Sr. Ministro Marco Aurélio para acompanhar o Sr.
Ministro Relator, indeferindo a medida cautelar.
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA
PERTENCE - Senhor Presidente, de minha parte, peço
vênia ao eminente Relator e aos que o seguiram para
acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio.
Jamais pude ler, nas
referências do artigo 37 a servidor público,
abrangência para nelas compreender os empregados das
empresas estatais.
Por outro lado, fui Relator do
acórdão unânime deste Plenário, na
Ação Direta 83, invocada pelo autor, e assentou
o Tribunal:
“A
Constituição estadual não pode, como fez
a do Estado de Minas Gerais, impor a pessoas de direito
privado, posto que integrantes da administração
indireta estadual, prestações de natureza
salarial, qual o reajustamento progressivo dado a todos os
empregados das sociedades de economia mista, empresas
públicas e outras entidades de direito privado sob o
controle direto ou indireto do Estado, ou a reposição
salarial assegurada aos bancários das instituições
financeiras estaduais.”
Resumi, na ementa, a Doutrina,
então endossada, para honra minha, pela unanimidade da
Corte:
“No
regime próprio das empresas privadas”, imposto
pela Constituição aos bancos do Estado, porque
sociedades de economia mista que exploram atividade
econômica, a determinação do quantum
da
prestação salarial resulta de três fontes
normativas exclusivas: ou decorre da lei, ou de sentença
normativa ou do contrato individual ou coletivo de trabalho
(nos quais se inserem e a cujo regime obrigacional se
submetem as melhorias outorgadas por atos unilaterais do
empregador, tenham alcance individual ou geral, como o
regulamento de empresa): ora, preceito transitório da
Constituição do Estado, que determina reposição
salarial — como o que ora se questiona —, em
relação às empresas bancárias
estaduais, não se legitima como lei material —
que, versando sobre salários, matéria de
Direito do Trabalho, seria da competência exclusiva da
União (CF, art. 22, I) — não substituem
sentença normativa, nem caracterizam ato de outorga
unilateral de vantagem emanado do Estado-empregador.
Ora, Senhor Presidente, o que
vejo de diferença aqui na lei local do Distrito
Federal em relação ao texto, então
impugnado, da Constituição estadual de Minas é
simplesmente que, no caso de Minas Gerais, a tentativa de
tratar, de dar disciplina de direito público local à
questão salarial de empregados de empresas estatais
favoreceria aos empregados, enquanto na lei do Distrito
Federal prejudica os trabalhadores.
O artigo 173 da Constituição,
no entanto, é via de mão dupla. De um lado, de
fato, visa liberar as empresas estatais do regime legal do
funcionalismo publico: de outro lado, não só
como garantia dos trabalhadores, mas como instrumento do
regime, que se quis instituir, de livre concorrência,
esse artigo visa também a evitar que empresas estatais
sejam cercadas de privilégios que não se
outorguem às empresas privadas concorrentes.
Ora, se admitimos teto para o
bancário, porque empregado de um banco controlado pelo
Distrito Federal, estamos fugindo nitidamente da doutrina
fixada pelo Tribunal na Ação Direta 83, e
estamos criando, sim, um privilégio em favor do banco
estatal na competição com as empresas privadas
do mesmo ramo.
Não consigo, Senhor
Presidente, interpretar o artigo 173, data venia, como
via de mão única, que só se aplicará
para impedir que a legislação, sobretudo a
legislação local, estenda alguma vantagem de
servidor público aos empregados das empresas estatais,
mas não quando a lei local discriminar contra os
empregados das empresas estatais.
Não o admito, por dois
motivos: primeiro, porque a Constituição os pôs
como trabalhadores, membros de uma categoria; segundo, porque
o tratamento, além de discriminatório em
relação a esses empregados, enquanto
trabalhadores, é privilegiador de empresa estatal, num
ponto, o das relações trabalhistas, em que a
Constituição explicitamente vedou o privilégio.
Com essas breves
considerações, acompanho o eminente Ministro
Marco Aurélio para deferir a liminar, por coerência
com a decisão, contra os trabalhadores, de que fui
Relator.
O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO:
— Sr. Presidente, alertado pelo eminente Ministro
SEPÚLVEDA PERTENCE, lembro-me de que, na ADIn 83-MG,
decidimos que a legislação local que concede
benefícios salariais não seria aplicável
às empresas públicas, às mistas e às
autarquias que exercem atividade econômica.
Diante disso, Sr. Presidente,
penso que não devo sujeitar os empregados das empresas
estatais ao teto, que prejudica, quando, diante da legislação
salarial que beneficia, recusei aplicação a
esta.
Entendo que a decisão
anterior do Supremo Tribunal recomenda, no caso, o
deferimento da cautelar, mesmo porque, Sr. Presidente, não
sei se a ressalva que fiz seria suficiente para garantir os
direitos adquiridos e a irredutibilidade salarial.
Com essas considerações,
retifico o meu voto para acompanhar o voto do Sr. Ministro
MARCO AURÉLIO.
Defiro a cautelar.
Por
tudo o que foi analisado no presente trabalho, em princípio,
acredita-se no acerto da decisão da Suprema Corte,
pois as empresas estatais sujeitam-se às normas de
Direito público aplicáveis à
Administração Pública em geral.
Quanto
à conclusão apresentada pelo eminente Ministro
Sepúlveda Pertence, em tese, é das mais
consistentes, pois somente há possibilidade de
incidência de normas de Direito público, se não
caracterizar privilégios para as empresas estatais.
No
caso concreto, se a lei introduzir mecanismos obrigando o
trabalho em empresas estatais com salários menores que
os dos trabalhadores da iniciativa privada, ou seja, criando
a mão-de-obra barata para as empresas estatais, o
raciocínio do Ministro Sepúlveda Pertence deve
ser observado.
Contudo,
na situação prática julgada na ADIn n°
787/DF e em outras idênticas, normalmente, os
administradores das empresas estatais alegam exatamente o
contrário do que afirmou o Ministro Sepúlveda
Pertence, vale dizer, a limitação de
remuneração dificulta o recrutamento de pessoal
qualificado para os quadros das empresas estatais.
É
que o teto constitucional não atinge categorias de
trabalhadores que abunda mão-de-obra disponível
no mercado de trabalho. Disso decorre que, por exemplo, o
executivo de finanças altamente qualificado dará
preferência, obviamente, aos bancos privados que não
estão sujeitos a limites de remuneração,
em vez de optar pelo emprego numa instituição
bancária oficial.
Dessa
maneira, constata-se que, na faixa do mercado de trabalho com
salários equivalentes ao teto constitucional vigora a
lei da oferta e da procura em todos os seus termos,
constituindo-se, portanto, a limitação
remuneratória dificuldades para administrar as
empresas estatais, não um privilégio, como
afirmado, data venia, pelo Ministro Sepúlveda
Pertence, no julgamento da ADIn n° 787/DF. Nesse
contexto, não há de se cogitar de criação
de privilégios frente ao particular.
7.4
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO –
TST
Na
esteira da discussão verificada na Suprema Corte, a
respeito da redação original do artigo 37,
inciso XI, da Constituição Federal de 1988, o
egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST não
chegou a firmar posicionamento único em torno da
questão, entendendo, em vários recursos, pela
aplicação aos empregados de empresas estatais,
das limitações de remuneração
previstas na Constituição Federal, como mostram
os seguintes exemplos:
Recurso
de Revista n° 492092.
Ano:
1998. Primeira Região.
Órgão
Julgador: - Quinta Turma.
Fonte:
DJ
de: 22/03/2002.
Recorrentes: Francisco Augusto
Dias Egresa e outros.
Recorrida:
Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A -
EMBRATEL.
Relator:
Juiz
convocado Guedes de Amorim.
EMENTA:
RECURSO
DE REVISTA. TETO REMUNERATÓRIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA
MISTA. Os princípios consagrados no artigo 37, e seus
incisos, da Constituição Federal aplicam-se às
empresas públicas e às sociedades de economia
mista, visto que integrantes da Administração
Pública Indireta, tendo em vista a referência
expressa a esses entes pelo legislador constituinte. Quanto
ao disposto no artigo 173, § 1º, da Constituição
Federal, referido preceito não pode ser interpretado
isoladamente, devendo a sua exegese ser efetuada levando-se
em conta a totalidade do sistema constitucional no qual ele
se insere. Por isso mesmo, o regime jurídico de
direito privado a que se sujeitam as sociedades de economia
mista deve ser analisado sempre sob a ótica de sua
estreita vinculação com o Poder Público,
o que importa na consideração do princípio
da supremacia do interesse público e, por via de
conseqüência, a aplicação das normas
contidas nos incisos do artigo 37 da Constituição
Federal. Revista conhecida e não provida.
Esse
posicionamento perdurou com outro de conteúdo oposto,
também adotado em diversos recursos, no sentido de que
os dispositivos constantes do inciso XI do artigo 37 da
Constituição Federal não se aplicam aos
empregados de empresas estatais. Veja-se o exemplo:
Recurso
de Revista n° 387304.
Ano:
1997. Nona Região.
Órgão
Julgador: Terceira Turma.
Fonte:
DJ de 24/05/2001.
Recorrente:
Empresa Paranaense de Assistência Técnica e
Extensão Rural - EMATER.
Recorrido:
Nelson Olivo Fracaro.
Relator:
Juiz convocado Carlos Francisco Berardo.
EMENTA:
RECURSO DE REVISTA - LEI
ESTADUAL - EMPRESA PÚBLICA ESTADUAL - SERVIDOR
CONTRATADO PELO REGIME DA CLT - PRINCÍPIO DA
IRREDUTIBILIDADE SALARIAL - TETO REMUNERATÓRIO -
INAPLICABILIDADE DE REDUTOR SALARIAL - Diante do art. 173, §
1º, CF, as empresas públicas que explorem
atividade econômica, como no caso, estão
sujeitas ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações
trabalhistas. Assim, não se aplica ao recorrido,
admitido pelo regime da CLT, o redutor salarial a que fazem
referência as Leis Estaduais 9105/89 e 10331/93.
Princípio da irredutibilidade salarial. O preceito
constitucional (art. 37, inciso XI) diz respeito aos
servidores públicos em sentido estrito, sendo que
vantagens pessoais não são computáveis
para delimitação do teto. Princípio da
legalidade que foi observado. Recurso de revista não
conhecido.
Com
o advento da Emenda Constitucional n° 19/98, incluindo o
§ 9° ao artigo 37 da Constituição
Federal de 1988, pelo visto, a questão ficou
pacificada no âmbito do TST. O debate naquele pretório,
contudo, prendeu-se ao sentido das modificações
introduzidas. De um lado e de outro, pelo que se depreende,
afirma-se tratar-se de demonstração cabal da
existência e da inexistência na redação
original do texto constitucional de qualquer limitação:
Vejam-se dois exemplos de julgados, tratando de situações
constituídas anteriormente à vigência da
EC n° 19/98:
Embargos
em Recurso de Revista n° 303617.
Ano:
1996. Primeira Região.
Órgão
Julgador: SDI 1.
Fonte:
DJ de 27/08/99.
Embargante:
Elço Ferreira dos Santos.
Embargada:
Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE.
Relator:
Ministro José Luiz Vasconcelos.
EMENTA:
EMPREGADO
DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. APLICABILIDADE DO ART. 37,
XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Se dúvidas
existiam a respeito da aplicabilidade do inciso XI do art.
37, do Texto Constitucional - teto remuneratório - aos
empregados públicos (no caso, os de sociedade de
economia mista), estas foram dizimadas com a alteração
introduzida pela Emenda Constitucional nº 19, de
04-06-98, onde se acresceu ao artigo 37 o § 9º, de
seguinte literalidade: "O disposto no inciso XI
aplica-se às empresas públicas e às
sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que
receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito
Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas
de pessoal ou de custeio em geral". Embargos não
conhecidos.
Recurso
de Revista n° 412840.
Ano:
1997. Primeira Região.
Órgão
Julgador: Segunda Turma.
Fonte:
DJ de 02/08/2002.
Recorrente:
Raulino da Silva e outro
Recorrida:
Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE.
Relator:
Ministro José Luciano de Castilho Pereira.
EMENTA:
RELAÇÃO
DE EMPREGO. EMPREGADO DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. TETO
CONSTITUCIONAL. Somente após as alterações
advindas da Emenda Constitucional nº 19/98 é que
o art. 37, XI, constitucional passou a se referir às
empresas públicas e às sociedades de economia
mista, limitando sua aplicação aos casos em que
tais empresas recebem recursos da Fazenda Pública para
cobrir despesas de pessoal ou custeio. Recurso de Revista
conhecido em parte e provido.
Pelo
longo debate travado no egrégio Tribunal Superior do
Trabalho - TST, vê-se que o tema é dos mais
polêmicos, contrapondo-se duas correntes principais,
uma, tendo como aplicáveis, outra, como inaplicáveis
aos empregados de empresas estatais as regras contidas na
Constituição Federal de 1988 limitativas de
remuneração, o chamado "teto
constitucional".
Verifica-se,
assim, que o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho
- TST segue as premissas traçadas pelas duas correntes
jurisprudenciais manifestadas no julgamento da ADIn n°
787/DF, diferenciando-se, apenas, no que diz respeito aos
resultados efetivos dos diversos julgamentos, que foram
sistematicamente divergentes, sem alcançar-se a
pacificação do entendimento sobre o assunto.
8.
CONCLUSÕES
Expostas
as questões necessárias ao exame do tema
proposto, passa-se a abordar os aspectos jurídicos
conclusivos da remuneração dos diretores de
empresas estatais, frente à legislação
que cuida do teto remuneratório dos agentes públicos
A
primeira análise feita neste estudo permitiu a
constatação de que as empresas estatais
desempenham atividades de interesse público, como
instrumentos de apoio às atividades estatais, o que
distancia essas entidades, embora regidas, também,
pelo Direito privado, das empresas privadas comuns, em que o
objetivo é o lucro, o retorno do investimento feito.
Em
decorrência da natureza pública das empresas
estatais, sua gênese, mesmo, verificou-se também
a duplicidade de regimes jurídicos aplicáveis
às estatais, lançando-se, aqui, a tese de que o
Direito privado deve ser observado nas relações
com os mercados econômicos em que referidas entidades
atuam e o Direito público no âmbito interno da
administração das empresas estatais. Não
fosse, assim, como bem ressalta Di Pietro (2004, p. 385),
haveria mera participação acionária do
Estado numa empresa privada, não uma empresa estatal.
Em
seguida, verificou-se que o regime da Consolidação
das Leis do Trabalho - CLT não se mostra bastante para
classificar os seus destinatários como trabalhadores
da iniciativa privada, pois aplicável tanto a
trabalhadores da iniciativa privada, como a servidores
públicos, além de existirem trabalhadores
privados cujas relações não estão
sob a sua regência.
Ficou
assente, outrossim, que a natureza jurídica da
condição de administrador de empresa estatal é
de empregado, nos termos do Enunciado n° 269, do egrégio
Tribunal Superior do Trabalho - TST, atuando por delegação
da autoridade que detém o poder de nomeação,
seja diretamente, seja indiretamente, em geral, o Chefe do
Executivo.
Outra
constatação refere-se à natureza da
delegação passada aos administradores, pois
originada de poderes limitados conferidos à autoridade
que os escolhe e os nomeia (direta ou indiretamente),
decorrendo daí, logicamente, que a autoridade com a
atuação administrativa limitada por normas de
Direito público jamais poderia conferir poderes
ilimitados, próprios da iniciativa privada, aos seus
agentes delegados. Assim, os administradores de empresas
estatais terão, no máximo, os mesmos poderes
conferidos ao Chefe do Executivo para administrar o Estado
como um todo.
A
remuneração, por sua vez, como visto, pode ser
fixada de várias maneiras, em planos de cargos e
salários, em convenção coletiva ou
dissídio coletivo, mediante ato direto do Poder
Executivo ou deliberação de órgão
colegiado, sendo possível, em determinadas situações,
a incorporação da remuneração do
emprego em comissão, sob a forma de vantagem pessoal
pro labore facto.
A
regra de inacumulabilidade de cargos empregos e funções
na Administração Pública foi abordada
para esclarecer a situação do administrador
egresso dos quadros funcionais da própria entidade ou
da Administração direta, autárquica e
fundacional, adotando-se, comumente, o mecanismo
técnico-jurídico de "opção"
por uma das duas remunerações.
Nesse
cenário, parte-se para enfrentar o problema proposto,
qual seja: a remuneração de diretores de
empresas estatais sujeita-se aos limites constitucionais?
Pelo
que se apurou, a conceituação de emprego
público, buscada por Ferreira (2003, p. 87) visou a
demonstrar que nem todos os incisos contidos no artigo 37 da
Constituição Federal de 1988 se aplicam às
empresas estatais, mas apenas os que indicam explicitamente a
sua abrangência a tais entidades públicas.
Todavia,
data venia, os objetivos do legislador constituinte, ao
incluir as empresas estatais sob a égide dos
princípios constitucionais estabelecidos nas
Disposições Gerais sobre a Administração
Pública são bem transparentes, como mostra a
exposição feita pelo Relator da Constituinte,
Senador Bernardo Cabral, da seguinte forma:
Promovi
substancial redistribuição dos dispositivos
aprovados em primeiro turno, para compatibilizar seus
mandamentos com o princípio constante do título
da Ordem Econômica (art. 173, § 1°), que
submete as entidades estatais, no tocante às
obrigações trabalhistas, ao regime fixado para
as empresas privadas, e, assim, obstar desvirtuamento da
'mens legislatoris' em interpretações futuras.
Com esse intuito, reuni na Seção I (Das
Disposições Gerais) os preceitos que dizem
respeito aos diversos segmentos de Administração
Pública e aos servidores em geral, independentemente
de seu regime jurídico. Na Seção II,
agrupei os dispositivos aplicáveis apenas aos
servidores civis da administração direta,
autárquica e fundacional.
Foi
visto, também, que as opiniões sobre o termo
"emprego público", comportam
questionamentos, havendo respeitável doutrina que
considera o empregado de empresa estatal como empregado
público, nos termos constitucionais.
Assim,
as conclusões de Ferreira (2003, p. 87), de que o
artigo 37 faz referência apenas a empregos públicos
da Administração direta, autárquica e
fundacional, quer parecer, ficam bastante prejudicadas, pois,
de forma contraditória, estar-se-ia admitindo a
incidência genérica do caput do artigo 37
da Constituição Federal de 1988 e a limitação
de seus incisos.
Em
sentido diferente, aliás, destacou-se a opinião
de Figueiredo (2003, p. 118), assim:
"Parece-nos,
de conseguinte, que, quando a Constituição
refere-se a empregos, está a falar precipuamente das
empresas estatais, e, além destas, daquela
possibilidade de admissão de empregados temporários
para a Administração Central, por força
de necessidades temporárias, inadiáveis, e de
alto interesse público".
Sobre
o posicionamento da Suprema Corte, na ADIn n° 787/DF,
acredita-se que a razão esteja com a maioria que
indeferiu a liminar buscada na referida ação.
Nesse mister, a Constituição Federal não
pode ser interpretada apenas olhando-se para a literalidade
do texto que trata da ordem econômica.
Portanto,
a decisão denegatória de liminar proferida na
ADIn n° 787/DF guarda conformidade com toda a exposição
feita no presente trabalho, acrescentando-se, contudo, as
abordagens sobre a duplicidade de regimes aplicáveis
às empresas estatais, nas suas relações
com os mercados econômicos em que atuam e com o Poder
Público que as controlam, assim como sobre a natureza
da delegação de poderes feita aos
administradores de empresas estatais.
No
egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST, por sua
vez, a matéria não chegou a ser pacificada, mas
os inúmeros julgados dando por aplicáveis aos
empregados de empresas estatais as disposições
contidas na Constituição Federal de 1988,
quanto ao teto de remuneração, seguiu o
posicionamento do Pretório Excelso a respeito do tema.
Diante
de todo o exposto, constata-se que as hipóteses
testadas mostram-se verdadeiras, ou seja:
Se
as empresas estatais desenvolvem atividades públicas,
sendo, portanto, entidades públicas, embora regidas,
também, pelo Direito privado, então, não
se pode desconsiderar a sua subordinação ao
Direito público;
Se
existem diversas categorias específicas de
trabalhadores, inclusive servidores públicos, que,
assim como os empregados de entidades paraestatais, são
regidos pela CLT, e se, por outro lado, a CLT não é
aplicável a várias outras categorias de
trabalhadores privados, então, ser regido pela CLT não
significa ser trabalhador comum da iniciativa privada;
Se, pela natureza das atividades desenvolvidas pela
empresas estatais e pela situação peculiar de
seus agentes, os empregados de empresas estatais constituem
categoria especial de agentes públicos, que, apesar de
regidos pela CLT, submetem-se, também, a regras de
Direito público, então não vigora para
essas entidades, de forma indiscriminada, o princípio
de liberdade de ação, dentro da lei, próprio
dos empreendimentos privados, mas, sim, o princípio
decorrente do Direito público, de que a lei e o
interesse público são os elementos norteadores
das atividades do Estado;
Se
o funcionamento das entidades estatais está vinculado
ao que disciplinam a lei e o interesse público e se o
mandato de seus diretores são precários e
temporários, podendo, inclusive, ser demitidos ad
nutum pela autoridade que detém os poderes de
nomeação, então, não se pode
admitir o pagamento de remunerações ao talante
de seus administradores;
Se
as remunerações dos empregados de empresas
estatais estão condicionadas a regras de Direito
público, então, essas regras somente podem ser
buscadas na Constituição Federal, que
disciplinam o funcionamento da Administração
Pública como um todo.
Acredita-se,
dessa maneira, que os objetivos propostos para o presente
estudo foram alcançados, porque, se:
a)
a essência das empresas estatais, como sendo organismos
criados pelo Estado para atuação coadjuvante em
seus misteres, é de entidade pública;
b)
a regência dessas entidades pelo Direito público
é aspecto meramente acidental, como ressaltado por
Mello (2001, p. 155);
c)
por um lado o regime jurídico das empresas estatais é
de Direito privado em suas relações com os
mercados econômicos em que atuam, por imposição
constitucional, visando à proteção do
empreendedor particular, por outro, em vista de sua natureza,
é de Direito público em suas relações
com o Poder que as controla;
d)
a submissão a normas de Direito público, em
tese, não confere às empresas estatais
quaisquer vantagens frente ao particular;
e)
em virtude da natureza das empresas estatais, os seus
empregados não são trabalhadores comuns, como
da iniciativa privada, não sendo bastante o regime da
CLT para caracterizar a natureza de empregados privados, pois
que aplicável tanto a trabalhadores da iniciativa
privada, como a servidores públicos, além de
existirem trabalhadores da iniciativa privada não
regidos pelas regras da CLT;
f)
as relações jurídicas dos diretores das
empresas estatais são de empregados ocupantes de
cargos de confiança, subordinados direta ou
indiretamente à autoridade Chefe do Poder que controla
as entidades empregadoras;
g)
além das próprias empresas estatais estarem
sujeitas a normas de Direito público, a delegação
para a sua administração provém de
poderes do Chefe do Poder controlador dessas entidades, que,
também, são limitados por normas de Direito
público.
È
lícito concluir que a remuneração dos
diretores de empresas estatais não pode ser fixada ao
talante dos membros de sua administração. Pelo
contrário, a conclusão mais consentânea
com toda a pesquisa realizada é a de que está
sujeita ao regramento próprio do desempenho de funções
públicas.
Nesse
sentido, tal limitação é emanada da
Constituição Federal, na parte que estabelece o
teto de remuneração a ser aplicado na
Administração Pública em geral, da qual
as empresas estatais, inegavelmente, fazem parte.
Dessa
maneira, até o advento da EC n° 19/98, o teto de
remuneração era fixado em lei ordinária
(Lei distrital n° 237/92, Lei federal n° 8.852/94,
leis estaduais em geral), excluindo-se da limitação
as vantagens pessoais incorporadas, como, adicionais por
tempo de serviço, "quintos" incorporados em
virtude do desempenho de cargos, empregos e funções
comissionadas etc.
Com
a EC n° 19/98, as vantagens pessoais também
passaram a integrar a remuneração para fins de
incidência das limitações, todavia, os
subsídios que serviriam de base para a aplicação
do dispositivo constitucional não chegaram a ser
definidos, valendo, assim, as regras anteriores.
Recentemente,
após a edição da EC n° 41/03, as
remunerações na Administração
Pública como um todo estão sujeitas ao limite
dos subsídios pagos às autoridades mencionadas
no inciso XI do artigo 37 da Constituição
Federal de 1988.
No
entanto, convém ressaltar, que, a teor do § 9°
do artigo 37 da Constituição Federal de 1988,
incluído por meio da EC n° 19/98, o teto
constitucional incide apenas sobre as remunerações
de diretores de empresas estatais que receberem
recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou
dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal
ou de custeio em geral.
Fossem
outros os objetivos do presente trabalho, poder-se-ia
aprofundar a discussão sobre o disposto no § 9°
do artigo 37 da Constituição Federal de 1988,
para verificar os seus fundamentos jurídicos, pois
decorrente da reforma do Estado implementada a partir de
1995, com atropelo a inúmeros institutos e princípios
jurídicos consagrados pela doutrina e pela
jurisprudência brasileira.
Contudo,
o presente estudo limita-se a extrair do ordenamento jurídico
vigente, especialmente, por meio de interpretação
dos dispositivos constitucionais aplicáveis, o
disciplinamento das relações dos diretores de
empresas estatais com o Estado, detentor do controle dessas
entidades empregadoras, pelo que basta, para os fins
colimados, a referência aos mandamentos contidos na EC
n° 19/98.
A
repercussão que se espera do presente trabalho fica,
portanto, no campo da interpretação e aplicação
do Direito Constitucional e Administrativo sobre o tema
abordado, visando apenas a contribuir para discussões
correntes a respeito do assunto, considerando-se, em
especial, a falta de atenção da doutrina
administrativista tradicional para o assunto.
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