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INTRODUÇÃO



O objetivo do presente trabalho é o de demonstrar a vinculação das relações jurídicas dos empregados, em especial dos diretores, de empresas estatais, também, às normas de Direito público, para verificar-se a incidência dos ditames constitucionais sobre limites de remuneração desses agentes públicos.

Sobre a aplicação do teto constitucional às remunerações dos empregados de empresas estatais em geral, não há maiores estudos da parte da doutrina administrativista tradicional, mas a Suprema Corte e o egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST já se manifestaram a respeito da matéria, concluindo pela incidência dos dispositivos constitucionais, embora sob divergência.

Nesse sentido pretende-se examinar a natureza das relações jurídicas mantidas entre essas entidades e seus empregados, em especial com os seus diretores, que é o tema do presente estudo, para verificar se se tratam de relações jurídicas comuns, como as das entidades particulares, ou se, ao contrário, constituem categoria específica de agentes públicos, sujeitos, portanto, às regras de Direito público, também, a despeito a subordinação genérica ao Direito privado, estabelecida pela Constituição Federal.

Para isso, faz-se necessário, primeiramente, identificar a natureza das atividades desenvolvidas pelas empresas estatais, assim entendidas as empresas públicas e as sociedades de economia mista, buscando-se demonstrar a sua subordinação jurídica aos ditames do Direito público, em vista de divergências a respeito de seu regime jurídico, o que facilita, muitas vezes, a sua utilização para fins que não atendem ao interesse da coletividade.

Fundadas as bases da discussão, de que as empresas estatais desenvolvem atividades públicas, sujeitando-se a regras de Direito público, e de que os seus empregados constituem espécie distinta de agentes públicos, passa-se a verificar o ordenamento jurídico envolvendo o vínculo de emprego, levando-se em conta, sobretudo, o fato de que a regência pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT não iguala tal categoria de agentes públicos aos trabalhadores comuns, porque a legislação consolidada é aplicável a diversas categorias de trabalhadores, inclusive a servidores públicos, e, de outro modo, há diversas categorias de trabalhadores privados, como os autônomos, os eventuais, os rurícolas, os temporários, os domésticos, que não são submetidos às regras da CLT.

Colocada a questão sobre a vinculação dos empregados de empresas estatais, surge o debate atinente ao tratamento dispensado pela legislação, pela doutrina e pela jurisprudência a respeito da condição jurídica do diretor de empresa, partindo-se, depois, para a discussão sobre a forma de nomeação dos diretores e sobre possível ocorrência de acumulação de empregos públicos, exigindo, assim, a abordagem da matéria, à luz da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional aplicável.

Outro aspecto abordado no presente estudo diz respeito à possibilidade de incorporação, pelo diretor de empresa estatal, da remuneração percebida pelo exercício do cargo.

Nesse ponto, importante a distinção entre o diretor de empresa estatal que já mantém vínculo de emprego com a própria entidade, daquele já submetido ao regime estatutário de trabalho e daquele que não se relaciona, sob quaisquer formas, com o serviço público.

Após as verificações necessárias sobre os pontos mencionados anteriormente, passa-se ao exame da situação jurídica do diretor de empresa estatal no que se refere aos poderes a ele conferidos, sobretudo, porque atua como agente delegado da autoridade administrativa Chefe do Poder controlador da empresa estatal. Disso decorre que não se pode extrair poderes próprios de administrador particular de delegação feita por autoridade submetida a normas de Direito público.

À medida das conclusões alcançadas, faz-se o cotejo das diversas situações identificadas com os ditames constitucionais aplicáveis à espécie, o que exigirá abordagem de cunho constitucional, trabalhista e administrativista, a respeito dos direitos e obrigações envolvendo a figura jurídica representada pelos diretores de empresas estatais, para estabelecer-se a sujeição dessa relação de trabalho às regras constitucionais próprias dos agentes públicos em geral.

Toda a discussão busca responder à seguinte indagação: a remuneração de diretores de empresas estatais sujeita-se aos limites constitucionais?

Para tanto, pretende-se experimentar algumas hipóteses lógicas sobre o tema, na forma que se segue.

Se as empresas estatais desenvolvem atividades públicas, sendo, portanto, entidades públicas, embora regidas, também, pelo Direito privado, então, não se pode desconsiderar a sua subordinação ao Direito público.

Se existem diversas categorias específicas de trabalhadores, inclusive servidores públicos, que, assim como os empregados de entidades paraestatais, são regidos pela CLT, e se, por outro lado, a CLT não é aplicável a várias outras categorias de trabalhadores privados, então, ser regido pela CLT não significa ser trabalhador comum da iniciativa privada.

Se, pela natureza das atividades desenvolvidas pela empresas estatais e pela situação peculiar de seus agentes, os empregados de empresas estatais constituem categoria especial de agentes públicos, que, apesar de regidos pela CLT, submetem-se, também, a regras de Direito público, então não vigora para essas entidades, de forma indiscriminada, o princípio de liberdade de ação, dentro da lei, próprio dos empreendimentos privados, mas, sim, o princípio decorrente do Direito público, de que a lei e o interesse público são os elementos norteadores das atividades do Estado.

Se o funcionamento das entidades estatais está vinculado ao que disciplinam a lei e o interesse público e se o mandato de seus diretores são precários e temporários, podendo, inclusive, ser demitidos ad nutum pela autoridade que detém os poderes de nomeação, então, não se pode admitir o pagamento de remunerações ao talante de seus administradores.

Se o poder da autoridade que detém a prerrogativa de nomear e exonerar, direta ou indiretamente, o dirigente de empresa estatal está circunscrito por normas de Direito público, então, muito mais razão há para entender-se que o agente delegado dessa autoridade também não possui liberdades irrestritas de atuação.

Se as remunerações dos empregados de empresas estatais estão condicionadas a regras de Direito público, então, essas regras somente podem ser buscadas na Constituição Federal, que disciplinam o funcionamento da Administração Pública como um todo.

A fundamentação teórica do presente estudo é baseada na mais conceituada doutrina brasileira, utilizando-se as obras de Sérgio Pinto Martins e Amauri Mascaro Nascimento para discutir-se a condição do diretor de empresa, à luz do Direito do Trabalho, em vista da diversidade de teorias sobre o assunto, de modo a afastar-se a aplicação do entendimento de que o administrador de empresa estatal seria simples mandatário, regido pelo Direito privado.

Os aspectos constitucionais e administrativistas do assunto são fundamentados nos renomados doutrinadores Celso Antônio Bandeira de Mello, cuja teoria sobre a essência das empresas estatais é de fundamental importância; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que apresenta tese de incidência de normas de Direito público sobre as entidades paraestatais das mais consistentes; Lúcia Valle Figueiredo, com abordagem precisa a respeito da vinculação das empresas estatais aos princípios que regem a Administração Pública como um todo; Hely Lopes Meirelles, cujos traços vêm sendo seguidos por vários anos, a despeito de seu falecimento.

Além dessas obras, buscaram-se importantes informações a respeito da evolução da Administração Pública brasileira, em especial, as reformas implementadas ao longo dos anos, no trabalho desenvolvido pelo prof. Marcos Bemquerer Costa, quando da defesa de sua tese de mestrado, abordando o regime jurídico das empresas estatais após a EC n° 19/98.

Importantes contribuições foram extraídas de estudo do prof. Sérgio de Andréa Ferreira, constante da Revista de Direito Administrativo, suprindo-se, assim, a carência de debate da doutrina tradicional sobre o tema; da obra do prof. Francisco de Assis Alves, tratando das novas figuras de atuação do Estado introduzidas pela EC n° 19/98.

Naturalmente, não se pode olvidar das decisões judiciais sobre os assuntos em debate, pois constitui a jurisprudência importante fonte de referência dos diversos estudos desenvolvidos na solução de questões jurídicas controvertidas, sobretudo, em se tratando da imprecisa fundamentação da situação jurídica das empresas estatais.

A metodologia empregada consiste em suscitar cada tema a ser estudado, passando-se a apresentar os ensinamentos já existentes, mediante transcrição das obras pesquisadas, das decisões judiciais envolvendo o assunto, com breves abordagens interpretativas baseadas, também, na experiência profissional do autor do presente estudo.

Essas são as diretrizes da presente monografia, cuja expectativa não é esgotar o assunto, mas, apenas, levar ao conhecimento dos interessados um breve estudo sobre o tema proposto.

2 ORIGENS DAS ESTATAIS



O surgimento das empresas estatais deu margem a infindáveis discussões a respeito de sua conceituação, de seu regramento legal e de sua situação jurídica.

Para melhor colocação do assunto, expõe-se a seguir o estudo desenvolvido por Costa (2001), no qual apresentou escorço histórico sobre a intervenção estatal na economia, destacando o agravamento das desigualdades sociais advindas da Revolução Industrial, a influência da teoria de Karl Marx e Friedrich Engels, a Revolução Russa e outros fatos históricos importantes, que fizeram surgir o Estado de bem-estar social (welfare state), em contraposição aos valores liberais então em voga no início do século passado.

Cita como balizas dessa intervenção econômica do Estado as Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919), surgindo, assim, a possibilidade de exigência, com base no Direito positivo, de prestações pelo Estado. Outra referência trata da depressão americana de 1929, levando o Estado a promover intervenção econômica sem precedentes, com base nas teorias de John. M. Keynes.

Ainda de acordo com o citado autor, no Brasil, várias reformas do Estado foram implementadas, desde a época do Império, até os dias atuais, destacando-se as principais:

a) "reforma burocrática" de 1936;

b) a "reforma desenvolvimentista" de 1967 a 1969;

c) a mini reforma ocorrida com a Constituição de 1988; e

d) a "reforma gerencial" surgida com as Emendas Constitucionais n° 5/95 e 20/98.

Interessam mais de perto para o presente trabalho as considerações quanto às origens das empresas estatais brasileiras, a partir dos anos 30, fazendo surgir o Estado empresário. Veja-se:

O fenômeno da criação de empresas pelo Estado como forma de descentralização administrativa e de exercício de atividade econômica não é antigo. Todavia, surge mais fortemente como integrante do contexto de intervenção estatal no domínio econômico a partir da Primeira Guerra Mundial (Ferreira, 1979a:70).

Os antecedentes históricos são apontados como os monopólios estatais da Antigüidade, inclusive no Império Romano. Mais recentemente, as empresas constituídas pelo Estado, visando um fim econômico, tiveram como inspiração as companhias coloniais holandesas e portuguesas, que nos séculos XV e XVI corporificavam investimentos da Coroa destinados a alcançar, através da conquista dos mares e terras desconhecidos, novas fontes de suprimento para mercados europeus (Tácito, 1973: 55).

Foi, entretanto, o fenômeno da intervenção estatal no domínio econômico que realçou o problema dos serviços industriais e comerciais do Estado e de sua estrutura jurídica, inspirada nos paradigmas do direito privado.

Ampliando a atividade administrativa, antes reservada a campos tradicionais, o Estado a invadir, em nome de interesses públicos relevantes, uma esfera tradicionalmente ocupada pela iniciativa privada.

O Estado se converte em um produtor de bens e em um prestador de serviços, socializando, no todo ou em parte, categorias de produção e de comércio.

Começaram a nascer, por essa forma, novas pessoas jurídicas administrativas, nas quais a forma é privada, mas o substrato é público.

Public corporations na Inglaterra, government corporations ou authorities nos Estados Unidos, enti pubblici economici na Itália, établissement publique industriel et comercial na França são variações de um mesmo tema (Tácito, 1973: 55).

No Brasil, aponta-se como a mais antiga empresa estatal o Banco do Brasil, criado pelo Alvará de 12.10.1808, sendo certo que a Lei n.° 59, de 8.10.1833, criou o novo Banco do Brasil (Ferreira, 1979a: 70).

Mas o grande impulso das empresas estatais deu-se a partir de 1939, com a criação pela União, dentre outras empresas, do Instituto de Resseguros do Brasil - IRB (1939), da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN (1941), da Companhia Vale do Rio Doce - CVRD (1942), da Companhia Nacional de Álcalis (1943), da Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF (1945), da Fábrica Nacional de Motores - FNM (1946), do Banco de Crédito da Amazônia (1950), da Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRAS (1953), da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP (1956), da Rede Ferroviária Federal - RFFSA (1957), e das Centrais Elétricas Brasileiras S/A - ELETROBRÁS (1961) - (Tácito, 1994:3).

Até mesmo estabelecimento hospitalar - Hospital das Clínicas de Porto Alegre (1971) - e estabelecimento destinado à pesquisa agropecuária - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA (1975) - assumiram a forma empresarial.

Os governos estaduais e municipais também têm criado empresas governamentais com as finalidades as mais diversas possíveis.

No processo de estatização, dois fenômenos puderam ser observados. Em primeiro lugar, a tendência para a transformação de órgãos da Administração Direta e autarquias em empresas governamentais, como ocorreu com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, antigo Departamento de Correios e Telégrafos (1969), e com a Caixa Econômica Federal - CEF, resultante da transformação da autarquia de mesmo nome (1969). Em segundo lugar, a tendência para criação de empresas por autarquias: a Comissão Nacional de Energia Nuclear foi autorizada constituir a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear.

Do mesmo modo que a concepção dessas entidades correspondeu a um fenômeno mundial, também suas deformações ocorreram em escala internacional. O Estado não foi um bem sucedido empresário na maioria dos casos. As dificuldades começaram a se aflorar (Pereira Júnior, 1998:872). Tal decorreu em parte porque a forma de gerir o Estado projetou-se para as empresas estatais, terminando por neutralizar muitas das vantagens apontadas para a sua instituição: competitividade, eficácia. rentabilidade, e economicidade. Ademais, essas entidades foram contaminadas por vícios como o subsídio das tarifas, o nepotismo, a politização dos dirigentes etc.



No âmbito do Distrito Federal, são várias as entidades de mesma natureza, como: a Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central - CODEPLAN (1964), a Companhia de Águas e Esgotos de Brasília - CAESB (1969), a Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP (1972), a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal - EMATER-DF (1978), a Sociedade de Abastecimento de Brasília S/A - SAB, a Centrais de Abastecimento do Distrito Federal S/A- CEASA/DF (1971), a Companhia de Eletricidade de Brasília - CEB (1968).

3 ATIVIDADES DAS ESTATAIS



3.1 PRINCÍPIOS DO ESTADO BRASILEIRO



O breve histórico feito anteriormente serve apenas para melhor situar o leitor sobre o fenômeno da criação de empresas estatais, dando-se ênfase à esfera federal e ao Distrito Federal, realidades mais próximas.

Nos termos da Constituição de 1988, a intervenção estatal na economia pode se dar de duas maneiras distintas: com a prestação de serviços públicos, direta (empresas estatais, autarquias e fundações) ou indiretamente (permissão e concessão de serviços públicos); e com a produção de bens de consumo e serviços privados, em determinadas condições (artigos 173 e 175 da CF/88), considerando-se a híbrida orientação principiológica do Estado brasileiro, que dá destaque a valores liberais, como a propriedade privada e a livre concorrência, e a valores sociais intervencionistas como a função social da propriedade, a dignidade humana e patrimônio mínimo, a defesa do consumidor, a redução de desigualdades regionais, a busca do pleno emprego e outros aspectos que constituem o objeto de estudo do Direito Econômico (Pariz, 2003).







3.2 CRIAÇÃO E EXTINÇÃO



Nesse ponto, deve-se destacar que, assim como a criação, a extinção de empresas estatais constitui também fato bastante comum, conforme a ideologia do governante, dando maior ou menor importância à participação do Estado no desenvolvimento de atividades econômicas e de prestação de serviços públicos, ou, mesmo, como instrumento de reestruturação da Administração Pública, a exemplo do ocorrido nos anos 90, no governo Collor; a partir de 1995, no governo Fernando Henrique; no ano de 1999, no governo Roriz, do Distrito Federal.

Sobre o tema, discorreu Costa (2001, p. 93) nos seguintes termos:

A distinção entre atividade privada e pública não resulta, em principio, da natureza das coisas. Salvo raras exceções, situadas nos extremos da escala, não há atividades intrinsecamente privadas nem intrinsecamente públicas. A eleição de uma atividade como serviço púbico resulta de um ato de vontade do Estado: são atividades de serviço público aquelas que as autoridades competentes, num dado momento histórico, decidem considerar como tais. Se o Estado, em algum momento, por intermédio de autoridades políticas ou administrativas, decide que determinada atividade é serviço público, isto significa colocá-la sob a tutela do Estado e submetê-la a um regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum. Considerar uma atividade como serviço público corresponde à vontade estatal de assumir esta atividade segundo regime jurídico diverso daquele aplicável às atividades próprias dos particulares (Cretella Júnior, 1990:328-329).

Pode-se dizer que o serviço público decorre de uma necessidade pública, erigida pelo legislador como tal. O serviço público, no sentido jurídico da expressão, só aparece quando o legislador o eleva a tal status; até então, o que há é tão-somente um serviço público potencial. Portanto, todas as atividades de interesse geral e que visem suprir necessidades essenciais da coletividade, desde que assumidas legalmente pela Administração, devem ser consideradas serviços públicos (Mukai, 1995:4).

Trata-se, pois, de prestações consistentes no oferecimento, aos administrados em geral, de utilidades ou comodidades materiais (como água, luz, gás, telefone, transporte coletivo, limpeza pública etc.) que o Estado assume como próprias, por serem reputadas imprescindíveis, necessárias ou apenas correspondentes a conveniências básicas da sociedade, em dado momento histórico (Mello, 1996:407).

A essencialidade do serviço para a população é elemento determinante para a opção do legislador, mas não o único. A atividade de distribuição de alimentos, por exemplo, vital para a sociedade, visto que pode afetar a própria sobrevivência das pessoas, não foi alçada à condição de serviço público. Acrescente-se que, nas diversas Constituições brasileiras, há significativas divergências sobre os serviços considerados públicos.

A enumeração dos serviços públicos pelo texto constitucional não é exaustiva, podendo o Poder Legislativo qualificar como públicos outros serviços, afora os mencionados na Constituição, desde que não sejam ultrapassadas as fronteiras delineadas pelas normas atinentes à ordem econômica, que são garantidoras da livre iniciativa (Mello, 1996:415-416). Significa dizer não pode a lei ordinária definir como serviço público qualquer indústria, serviço ou atividade ante os requisitos estabelecidos: a competência estatal firmada no seu ordenamento constitucional e a vedação prevista no artigo 173 da Constituição Federal (Moreira Neto, 1993:324).

Enfim, o que se pode afirmar é que existem certas atividades que, em princípio, não devem estar à livre disposição e exploração dos particulares: é o que se tem denominado de serviços públicos (Mukai, 1995:5). De outro lado, alguns serviços públicos, por sua própria natureza, são indelegáveis, sob pena da própria falência do Estado, como o exercício do poder de polícia e a tarefa de distribuição de justiça (Cretella Júnior, 1990:335).

A atividade econômica, por sua vez, é, regra geral, impulsionada pelo lucro, sendo este a força motriz da iniciativa dos particulares. A atividade econômica é puro e inequívoco serviço privado, comércio ou indústria, a não ser no caso, todo especial, em que se identifica com o serviço público, pois que tais noções, às vezes, não são excludentes (Cretella Júnior, 1990:290).

No sistema constitucional vigente, a exploração da atividade econômica e o desempenho de serviços pertinentes a essa esfera assiste aos particulares e não ao Estado. Esse, apenas em caráter excepcional, poderá desempenhá-los, nos termos do artigo 173 da Carta de 1988 (Mello, 1996:4 16).

A Constituição faz nítida distinção entre serviço público e atividade econômica. Essa, quando explorada pelo Estado (e só pode sê-lo em duas hipóteses: segurança nacional e motivo de relevante interesse coletivo, consoante artigo 173, caput), haverá de ser levada a efeito por meio de sociedade de economia mista, empresa pública, ou suas subsidiárias, sujeitando-se todas ao regime jurídico próprio das empresas privadas (§ 1° do artigo 173). O serviço público - diz a Carta Magna - incumbe ao Poder Público, que, na forma da lei, deve prestá-lo diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, nos termos do artigo 175, caput (Mukai, 1995:6).

Portanto, a natureza de serviço público atribuída a uma atividade é pressuposto do estabelecimento da competência administrativa. Infere-se daí que há um circulo vicioso entre a natureza da própria atividade e o regime jurídico a que se acha submetida, porquanto se, em alguns casos, a atividade condiciona o regime jurídico, em outros casos, é o regime jurídico que vai determinar a própria transmutação da natureza da atividade, uma vez que, quando o Estado opta por este ou aquele regime jurídico, é porque atribuiu à atividade esta ou aquela natureza, incluindo-a ou não entre aquelas que considera relevantes para a coletividade num dado momento histórico (Cretella Júnior, 1990:301-302).

O Estado tanto pode desempenhar serviços privados, como serviços públicos. O particular também pode prestar os dois tipos de serviços. Em suma: o Estado pode prestar diretamente à sociedade os serviços erigidos pela Constituição ou pela lei como públicos, cumprindo tarefa de rotina, ou transferir sua missão a pessoas de direito privado, estatais ou não (empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias), ou a pessoas de direito público (autarquias e fundações públicas).

A par disso, pode o Estado intervir na atividade econômica, em caráter excepcional, nos termos previstos no artigo 173 da Constituição, por meio de empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias.



Opinião idêntica foi manifestada por Ferreira (2003, p. 70), afirmando o seguinte:

As empresas públicas e as sociedades de economia mista, como pessoas administrativas que são, estão comprometidas com o interesse público, e, como objeto seu, no atingimento dessa finalidade, podem ter a prestação de serviços públicos (v. CF, art. 37, § 6°) ou a exploração de atividade econômica de produção de bens e prestação de serviços (CF, art. 173, § 1°). É distinção com os mais relevantes reflexos jurídicos, conforme detalharemos.

Mesmo se se tratar da produção ou comercialização de bens ou serviços, as empresas públicas e as sociedades de economia mista estão, de acordo com o disposto no art. 173 da CF, submetidas aos fins de interesse público nele citados, especificamente, pela própria Carta Magna Nacional: imperativos da segurança nacional ou outro relevante interesse coletivo, definidos em lei. O art. 173, § 1°, I, da CF, com a redação da Emenda Constitucional n° 19/98, impõe a esses entes uma função social. Mas, cognatamente com o fim público, presente está, nessas empresas administrativas, o fim privado de natureza patrimonial.



Portanto, os motivos justificadores da criação de empresas estatais são os mesmos aplicáveis à sua extinção, pelo que se conclui que tais entidades têm fim precípuo de interesse público, representando o Estado na prestação de serviços públicos ou no desenvolvimento de atividades consideradas relevantes para a sociedade.





3.3 FORMAÇÃO PATRIMONIAL



São as empresas estatais, em última análise, entidades públicas, não havendo por que se cogitar da comparação com entidades privadas, cuja existência está diretamente relacionado à vontade do particular, ao desenvolvimento pessoal de seus agentes, à busca do lucro, finalidade primeira de quem se dispõe a empregar capital e trabalho privados na condução de determinado empreendimento.

Diferentemente da empresa privada, o interesse público será (ou deverá ser) sempre a motivação para criarem-se ou extinguirem-se empresas estatais, devendo ser também o substrato de todos os atos praticados na gestão dessas empresas.

Consistem, desse modo, em patrimônios públicos destinados a propiciar bem-estar, conforto, desenvolvimento, estabilidade social e econômica, tudo em prol dos cidadãos, que, aliás, contribuíram para a formação do capital destinado à constituição da entidade.

4 ASPECTOS JURÍDICO DAS ESTATAIS



4.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS



Na exposição desse tópico, retoma-se a discussão sobre os princípios relativos à organização do Estado brasileiro, para verificar-se que, nos termos do artigo 1° e 3° da Constituição Federal de 1988, a República Federativa do Brasil tem como fundamentos, entre outros, os valores sociais do trabalho e a dignidade humana, traçando os seus objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Com efeito, vê-se o Estado compelido a intervir nas relações econômicas e sociais toda vez que se verificar desequilíbrio entre as duas categorias de valores informativos da Constituição, vale dizer, valores liberais e valores sociais, isso porque a organização social é fruto da organização econômica, e vice-versa.

Apresenta-se, assim, o cenário das empresas estatais, cujas atividades dão suporte ao Estado para promover o equilíbrio de forças contidas na Constituição Federal. A propósito, mostra-se oportuna a transcrição do artigo 173 da CF/88, que autoriza o Estado a promover referidos ajustes na economia:

REDAÇÃO ORIGINAL

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

REDAÇÃO DA EC N° 19/98

Art. 173.......................

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.





4.2 NATUREZA JURÍDICA



Na doutrina brasileira não há maiores divergências de opiniões sobre as finalidades de criação das empresas estatais, afirmando-se tratarem-se de entidades públicas criadas pelo Estado, apesar de regidas, também, pelo Direito privado.

Para Mello (2001, p. 147 e 151), empresa pública e sociedade de economia mista são conceituadas assim:

Deve-se entender que empresa pública federal é a pessoa jurídica criada por lei, como instrumento de ação do Estado, com personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes de ser coadjuvante da ação governamental, constituída sob quaisquer das formas admitidas em Direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de Direito Público interno ou de pessoas de suas Administrações Indiretas, com predominância acionária residente na esfera federal. (destacamos)

Sociedade de economia mista federal há de ser entendida como a pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertence em sua maioria à União ou a entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionário de propriedade particular. (destacamos)



Sobre o assunto, ensina Di Pietro (2004, p. 385), da seguinte maneira:

Quanto à natureza jurídica das empresas públicas e sociedades de economia mista, as controvérsias doutrinárias se pacificaram consideravelmente a partir de 1967: de um lado, porque a Constituição, no artigo 163, § 2°, determinava a sua submissão ao direito privado; de outro lado, tendo em vista o conceito contido no artigo 5°, II e III, do Decreto-lei n° 200.

A isso tudo acrescente-se outra razão de ordem técnico-funcional, ligada à própria origem desse tipo de entidade; ela foi idealizada, dentre outras razões, principalmente por fornecer ao poder público instrumento adequado para o desempenho de atividades de natureza comercial e industrial; foi precisamente a forma de funcionamento e organização das empresas privadas que atraiu o poder público. Daí a sua personalidade jurídica de direito privado.

Embora elas tenham personalidade dessa natureza, o regime jurídico é híbrido, porque o direito privado é parcialmente derrogado pelo direito público. Mas, falando-se em personalidade de direito privado, tem-se a vantagem de destacar o fato de que ficam espancadas quaisquer dúvidas quanto ao direito a elas aplicável: será sempre o direito privado, a não ser que se esteja na presença de norma expressa de direito público.

Essa derrogação parcial do direito comum pelo direito público existe sempre que o poder público se utiliza de instrumentos de direito privado; no caso das pessoas jurídicas, essa derrogação é de tal forma essencial que, na sua ausência, não haverá sociedade de economia mista, mas apenas participação acionária do Estado.

A derrogação é feita, em grande parte, pela própria Constituição, mas também por leis ordinárias e complementares, quer de caráter genérico, aplicável a todas as entidades, quer de caráter específico, como é a lei que cria a entidade.



Opinião idêntica é a de Alves (2000, p. 100), cuja lição transcreve-se abaixo:

Embora dotadas de personalidade privada, em virtude de realizarem atividades de interesse público, tanto a sociedade de economia mista como a empresa pública mantêm um vínculo com a entidade pública que as instituiu. Por isso, algumas conseqüências: os atos de seus dirigentes revestem-se de certa autoridade, sujeitando-se a mandado de segurança e à ação popular. Podem sofrer a intervenção do Estado na hipótese de desvirtuamento de suas finalidade, improbidade na sua administração ou de insuficiência de recursos financeiros para o cumprimento de seus fins. Com referência ao desvio de finalidade a Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Lei de Sociedades Anônimas, taxativamente determina: "A companhia de economia mista somente poderá explorar os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou a sua constituição" (art. 237).

Assim, não obstante ostentarem natureza jurídica de direito privado, tanto a instituição como a organização dessas entidades, são regidas pelo direito público. Apenas a atividade empresarial dessas empresas é que se submete às normas de direito privado. Isto, para evitar-se concorrência desleal à iniciativa privada. Com esse intuito é que a Constituição Federal impõe à empresa pública e à sociedade de economia mista observância das normas civis e comerciais, sobretudo no que diz respeito ao direito trabalhista e tributário, não podendo gozar essas entidades de vantagens não extensíveis às empresas do setor privado (art. 173, §§ 1° e 2°, CF).



Se por um lado a maioria dos doutrinadores defende o caráter híbrido do regime jurídico das empresas estatais, em contraposição à tese que prega a total desvinculação do Direito público, fato é que não se tem ocupado em identificar e separar as relações jurídicas em que as empresas estatais se sujeitam aos dois ramos do Direito. Esse o motivo do tópico seguinte.





4.3 REGIME JURÍDICO



À míngua de posicionamentos doutrinários mais específicos sobre a abrangência dos regimes jurídicos aplicáveis às empresas estatais, apresenta-se a tese de que essas entidades estão submetidas a duplo regime, nos seguintes termos: o de Direito privado, em suas relações com os mercados econômicos em que atuam, em obediência aos princípios liberais da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano, nos termos dos artigos 1°, 3° e 173 da CF/88, e o de Direito público, aplicável à sua administração, por tratar-se de entidades constituídas pelo Estado, com recursos públicos, visando a finalidades públicas, pelo que se sujeitam aos princípios constitucionais inerentes à Administração Pública, na forma do artigo 37 da Constituição Federal.

Conforme acima mencionado, não se verifica na doutrina administrativista separação mais precisa da aplicação dos dois ramos do Direito, como a que ora se propõe no presente estudo. Todavia, pode-se extrair raciocínio semelhante na obra de Figueiredo (2003, p.115), manifestando-se pela vinculação das empresas estatais aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública como um todo. Eis a lição:

3.2 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A Constituição de 1988, mesmo com a Emenda 19/1998, colocou as empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações no capítulo pertinente à Administração Pública.

Desta forma, os princípios da Administração Pública, expressos e implícitos, aplicam-se às empresas.



Esse argumento, adiante-se, mostrou-se de fundamental importância para o posicionamento da Suprema Corte a respeito da incidência do teto constitucional sobre a remuneração de empregados da empresas estatais, na ADIn n° 787/DF, conforme vê-se adiante.

Necessário, portanto, distinguir as duas categorias de relações jurídicas mantidas pelas empresas estatais, em seu mister de auxiliar o Estado na busca do bem comum da população.





4.3.1 Regime de Direito privado



Como bem assinala Di Pietro (2004, p. 385), o regime jurídico de Direito privado é derrogado por normas de Direito público, desde que isso não signifique favorecimento legal da entidade estatal, frente ao particular que desempenha idêntica atividade.

Com efeito, não poderá a lei, a propósito do interesse público, estabelecer que as empresas estatais de determinados setores da economia tenham tratamento diferenciado em matéria tributária, previdenciária, trabalhista etc. Nessas relações com os mercados econômicos em que atuam, as empresas estatais deverão estar em igualdade de condições com o empreendedor particular.

Isso, porque, nos estreitos limites permitidos pela Constituição Federal de 1988, em havendo interesse público, determinadas atividades podem ser levadas a efeito pelo estado, mas sem a utilização de prerrogativas próprias de entes públicos, que os coloquem em situação privilegiada frente ao empreendedor particular.

Assim, não poderia o Estado, dadas às suas condições peculiares, especialmente o poder de arrecadar recursos, a capacidade legislativa, o poder de determinar diretrizes econômicas e sociais, vir a beneficiar as suas entidades que atuem nos diversos mercados econômicos, pois, assim agindo, causaria sérias dificuldades aos empreendedores privados, ferindo, por conseguinte, princípios explícita e implicitamente contidos na Constituição Federal de 1988.

Disso decorre, por exemplo, que a carga tributária incidente sobre os bens e serviços produzidos pelas empresas estatais deve ser idêntica àquela aplicável aos mesmos bens e serviços produzidos pelas empresas particulares; que a mesma alíquota de contribuição previdenciária devida sobre a remuneração de determinada categoria de trabalhadores é válida tanto para as empresas estatais, quanto para as empresas privadas; que os direitos trabalhistas (mínimos) dos empregados das empresas estatais são idênticos aos dos trabalhadores das empresas privadas em igual situação.

Enfim, não poderá o Estado, utilizando-se de suas prerrogativas, dispensar tratamento diferenciado às suas empresas, em detrimento das atividades desenvolvidas pela iniciativa privada.

Afora isso, para o particular concorrente, pouco importa a maneira como a empresa estatal é administrada, se com total liberdade ou com limitações impostas pelas normas de Direito público.

O que interessa, em verdade, é que essas normas de Direito público não venham a criar privilégios para as entidades estatais, em detrimento do particular.





4.3.2 Regime de Direito público



Desde a vigência da redação original do artigo 173 da CF/88, que muito se discutiu a respeito da liberdade de ação dos administradores de empresas estatais.

Sempre que determinado órgão de controle da Administração questiona atos de gestão, prontamente, responde-se com o argumento de que as empresas estatais sujeitam-se ao regime de Direito privado, estando o seu administrador, portanto, livre para tomar o caminho que julgar conveniente, como o faria o administrador privado.

Os efeitos dessa discussão, prolongada aos dias atuais, especialmente após a modificação introduzida pela Emenda 19/98, diga-se, são extremamente danosos aos contribuintes. Há verdadeiros esqueletos judiciais oriundos dessa suposta liberdade de ação concedida aos administradores de empresas estatais.

Apenas como referência, tramita processo trabalhista contra determinada empresa estatal do Distrito Federal e da União, cuja dívida, caso reconhecida, importará mais de vinte vezes o patrimônio dessa mesma empresa. Tudo por conta da suposta liberdade de negociação de acordo coletivo de trabalho, prevendo cláusulas impossíveis de cumprimento, dentro do cenário da Administração Pública.

Apesar de toda a celeuma existente sobre o tema, detido exame dos dispositivos constitucionais aplicáveis leva a conclusão diversa daquela que os administradores costumam sustentar.

Em verdade, quer parecer, não há antinomia entre os regimes jurídicos aplicáveis às empresas estatais. Desde que o Estado não constitua privilégios em favor de suas empresas, para o empreendedor particular, pouco importa a maneira como a empresa pública é administrada.

Aliás, a comparação com o empreendedor privado permite conclusão inversa, ou seja, não é razoável que uma entidade pública, como é a empresa estatal, seja administrada de acordo com os princípios que regem os empreendimentos privados, porque são entidades de naturezas absolutamente distintas entre si.

A empresa estatal é constituída com recursos públicos, com finalidades públicas, devendo a sua administração se orientar pelos princípios de administração pública. A sujeição ao regime privado, nos termos constitucionais, longe de constituir privilégio do administrador, é restrição ao Estado, em face do princípio liberal de livre iniciativa e de valorização do trabalho humano.

Desse modo, a leitura do artigo 173 da Constituição Federal de 1988 deverá sempre estar relacionada aos princípios econômicos e sociais implícitos e explícitos contidos no texto constitucional.

Não se justifica, portanto, a aplicação que, muitas vezes, se pretende dar ao mandamento de que as empresas estatais sujeitam-se às regras de Direito privado para justificar desatinos administrativos de responsáveis pela condução de determinadas entidades estatais, sob os auspícios da liberdade de atuação própria dos empreendimentos privados.

Como dito, a livre iniciativa é princípio constitucional a que o Estado está obrigado a observar. Todavia, ao estipular, também, que as empresas criadas pelo próprio Estado estão sujeitas ao regime de Direito privado, não significa, em absoluto, liberdade de ação para o administrador dessas empresas. Significa, sim, restrições impostas ao Estado, de modo a não se admitir que as empresas estatais se utilizem de instrumentos de Direito público para concorrer com empresas privadas que atuem no mesmo setor da economia, porque, dentro da concepção do Estado brasileiro, as empresas estatais não são criadas com o objetivo de perseguir o lucro na exploração de atividades econômicas que podem ser desempenhadas por particulares.

Além das observações feitas por Figueiredo, retrotranscritas, Mello (2001, p. 154) é quem melhor esclarece essa distinção de natureza e de regime jurídico, diferenciando o aspecto essencial da empresa estatal (natureza pública) de seu aspecto acidental (ser regida pelo Direito privado), provavelmente, fundado na filosofia de Aristóteles. Veja-se:

Natureza essencial de empresas públicas e sociedades de economia mista: conseqüências

50. Empresas públicas e sociedades de economia mista são, fundamentalmente e acima de tudo, instrumentos de ação do Estado. O traço essencial caracterizador destas pessoas é o de se constituírem em auxiliares do Poder Público; logo, são entidades voltadas, por definição, à busca de interesses transcendentes aos meramente privados.

[...]

É preciso, pois, aturado precato para não incorrer no equívoco de assumir fetichisticamente a personalidade de Direito Privado (como costumava ocorrer no Brasil) das estatais e imaginar que, por força dela, seu regime pode ensejar-lhes uma desenvoltura equivalente à dos sujeitos cujo modelo tipológico inspirou-lhes a criação. Deveras, a personalidade de Direito Privado que as reveste não passa de um expediente técnico cujo préstimo adscreve-se, inevitavelmente, a certos limites, já que não poderia ter o condão de embargar a positividade de certos princípios e normas de Direito Público cujo arredamento comprometeria objetivos celulares do Estado de Direito.

51. O traço nuclear das empresas estatais, isto é, das empresas públicas e sociedades de economia mista, reside no fato de serem coadjuvantes de misteres estatais. Nada pode dissolver este signo insculpido em suas naturezas. Dita realidade jurídica representa o mais certeiro norte para a intelecção destas pessoas. Conseqüentemente, aí está o critério retor para interpretação dos princípios jurídicos que lhes são obrigatoriamente aplicáveis, pena de converter-se o acidental suas personalidades de Direito Privado — em essencial, e o essencial — seu caráter de sujeitos auxiliares do Estado — em acidental.

Como os objetivos estatais são profundamente distintos dos escopos privados, próprios dos particulares, já que almejam o bem-estar coletivo e não o proveito individual, singular (que é perseguido pelos particulares), compreende-se que exista um abismo profundo entre as entidades que o Estado criou para secundá-lo e as demais pessoas de Direito Privado, das quais se tomou por empréstimo a forma jurídica. Assim, o regime que a estas últimas naturalmente corresponde, ao ser transposto para empresas públicas e sociedades de economia mista, tem que sofrer — também naturalmente — significativas adaptações, em atenção a suas peculiaridades.

Se assim não fosse, e se as estatais desfrutassem da mesma liberdade que assiste ao comum das empresas privadas, haveria comprometimento de seus objetivos e funções essenciais, instaurando-se, ademais, sério risco para a lisura no manejo de recursos hauridos total ou parcialmente nos cofres públicos. Além disto, sempre que o Poder Público atuasse por via destes sujeitos, estariam postas em xeque as garantias dos administrados, descendentes da própria índole do Estado de Direito ou das disposições constitucionais que o explicitam. Com efeito, o regime de Direito Privado, sic et simpliciter, evidentemente, não impõe o conjunto de restrições instauradas precisamente em atenção aos interesses aludidos.

52. Em despeito destas obviedades, durante largo tempo pretendeu-se que, ressalvadas taxativas disposições legais que lhes impusessem contenções explícitas, estariam em tudo o mais parificadas à generalidade das pessoas de Direito Privado. Calçadas nesta tese errônea, sociedades de economia mista e empresas públicas declaravam-se, com o beneplácito da doutrina e da jurisprudência (salvo vozes combativas, mas isoladas), livres do dever de licitar, razão por que os contratos para obras públicas mais vultosos eram travados ao sabor dos dirigentes de tais empresas ou mediante arremedos de licitação; recursos destas entidades passaram a ser utilizados como válvula para acobertar dispêndios que a Administração Central não tinha como legalmente efetuar, ou mesmo para custear ostensiva propaganda governamental, mediante contratos publicitários de grande expressão econômica; a admissão de pessoal, e com salários muito superiores aos vigentes no setor público, efetuava-se com ampla liberdade, sem concursos, transformando-as em “cabides de emprego” para apaniguados; avançados sistemas de aposentadoria e previdência eram, por decisão interna corporis, instituídos em prol de seus agentes, em condições muito mais vantajosas do que as do sistema nacional de previdência ou do próprio regime previdenciário do setor público; despesas exageradas, úteis apenas à comodidade pessoal de seus agentes, eram liberalmente efetuadas, como, exempli gatia, suntuosas hospedagens no Exterior, quando de viagens internacionais dos seus dirigentes; sempre sob argüição de serem pessoas de Direito Privado — até que a legislação explicitamente lhes impusesse sujeição de suas despesas à fiscalização do Tribunal de Contas da União —, sustentava-se que estavam livres deste controle; sob o mesmo fundamento e da correlata liberdade que lhes concerniria, multiplicaram-se sociedades de economia mista e empresas públicas, umas criando outras, surgindo, destarte, as de chamada segunda e terceira geração, aptas, pois, a prodigalizar os mesmos desmandos.

[...]

Critérios para interpretação do regime jurídico das empresas do Estado

53. Cumpre realçar que os preceitos conformadores da atuação estatal não visam apenas a assegurar-lhe condições de eficiência. No Estado de Direito, destinam-se também e sobretudo a estabelecer as indispensáveis limitações que embarguem ação desatada ou descomedida dos próprios governantes, para impedir que seja gravosa quer ao interesse público, que lhes assiste curar, quer às garantias pertinentes aos administrados em suas relações com o Poder Público. De resto, esta última é a própria razão inspiradora do Estado de Direito. Então, obviamente, não lhe basta travestir-se de pessoa de Direito Privado para esquivar-se das contenções armadas em favor do aludido propósito.

Donde, desconhecer ou menoscabar estes vetores implicaria ofensa a diretrizes fundamentais do Texto Constitucional. Assim, não seria prestante interpretação que os postergasse.

Segue-se que entidades constituídas à sombra do Estado como auxiliares suas na produção de utilidade coletiva e que manejam recursos captados total ou majoritariamente de fontes públicas têm que estar submetidas a disposições cautelares, defensivas tanto da lisura e propriedade no dispêndio destes recursos quanto dos direitos dos administrados a uma atuação impessoal e isonômica, quando das relações que com elas entretenham. Isto só é possível quando existam mecanismos de controle internos e externos, suscitados quer pelos órgãos públicos, quer pelos próprios particulares, na defesa de interesses individuais ou da Sociedade.

É esta compreensão que, pouco e pouco, vem-se impondo no Direito brasileiro, sobretudo pela via normativa (que bem a refletiu) e já agora com maior intensidade, apesar de algumas recidivas ainda ocorrentes, sempre alimentadas por agentes governamentais ou das próprias empresas; uns e outros interessados em se evadir de controles externos, notadamente dos que provêm ou podem provir da iniciativa dos administrados, cujos direitos - sobretudo a um tratamento impessoal e isonômico - eram sistemática e olimpicamente pisoteados por estas entidades da Administração indireta, sob a argumentação de que, sendo pessoas de Direito Privado, podiam agir com a correspondente autonomia.

Sem embargo, como ainda não houve tempo para solidificação de doutrina e jurisprudência perante textos mais recentes, que introduziram contenções explícitas a tais pessoas (advindas sobretudo da Constituição vigente), não está superado o risco de retrocessos. E esta circunstância que justifica o realce dado ao tópico em questão.

54. De resto, o próprio Texto Constitucional Vigente (como, aliás, já acontecia no anterior) cuida de submeter empresas públicas e sociedades de economia mista a uma série de disposições que não vigoram para as demais pessoas de Direito Privado (e que nem fariam sentido algum em relação a elas), conforme adiante se verá. Evidencia-se, assim, que o regime jurídico disciplinador destas entidades da Administração indireta é, certamente, peculiar. Aliás, se não apresentasse cunho original em relação às disposições que regem a generalidade das empresas privadas, as sociedades de economia mista e empresas públicas não se constituiriam em realidade jurídica distinta de quaisquer outras pessoas mercantis, confundindo-se, de direito, com as notórias figuras preexistentes. Aí, então, nada justificaria a busca de um conceito jurídico para elas, visto que estariam subsumidas na conceituação própria do tipo societário de Direito Privado que lhes houvesse sido atribuído, pois suas existências não apresentariam qualquer ressonância nova na esfera do Direito, mas tão-só no campo próprio da Ciência da Administração ou na seara econômica, como pretendeu Fritz Fleiner, há tantos anos passados.



Conforme se verifica, as questões importantes dessa discussão ficam mais bem esclarecidas quando se diferenciam as duas categorias de relações jurídicas advindas da criação de uma empresa pública. Uma coisa é estabelecer o regime aplicável às empresas estatais em seu relacionamento com os diversos mercados econômicos em que atuem, observando-se a sua submissão às mesmas regras do empreendedor particular; outra, é o regime orientador de sua administração, sobre o qual não se pode olvidar, nunca, tratarem-se de entidades constituídas com patrimônio público, para atingimento de finalidades públicas.

O encerramento deste tópico, serve, portanto, para asseverar a natureza especial da empresa estatal, bem como a inegável incidência à sua administração de normas de Direito público, eis que voltadas ao atingimento de finalidades públicas a cargo do ente estatal que a criou (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Não se pode entender, desse modo, que a administração de empresa estatal, sob as suas variadas formas, possa ser exercida sob os valores, as regras e os fundamentos aplicáveis às empresas particulares, cuja finalidade é completamente distinta, qual seja, buscar a lucratividade do capital e do trabalho empregados no desenvolvimento de suas atividades econômicas.





4.4 FORMALIDADES ADMINISTRATIVAS



A constituição da empresa pública pode-se revestir de várias formas, conforme admitir o Direito vigente, podendo ser empresa unipessoal ou sociedade pluripessoal ou unipessoal (Di Pietro, 2004: p. 388).

Quanto à sociedade de economia mista, pela sua própria natureza, trata-se de sociedade anônima, com capital dividido em ações, cuja maioria pertence ao ente estatal controlador, devendo possuir, obrigatoriamente, conselho de administração, nos termos do artigo 239 da Lei n° 6.404/76.

Cita Costa (2001, p. 114), o caso da Caixa Econômica Federal, empresa unipessoal da União federal, que tem como órgãos a diretoria e o conselho fiscal. Os membros da diretoria são nomeados e demissíveis ad nutum pelo Presidente da República. Os do conselho fiscal, da mesma forma, pelo Ministro da Fazenda. Representam, portanto, os nomeados as autoridades que detém as prerrogativas de nomeação e exoneração.

Quanto às sociedades, destaca o digno professor que as decisões são tomadas em assembléia geral de acionistas, mesmo que se trate de sociedade unipessoal, como é o caso da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - CODEVASF, que, apesar do capital pertencer integralmente à União, dispõe de assembléia geral, conselho diretor, diretoria executiva e conselho fiscal.

A possibilidade de constituição de empresa pública unipessoal ou pluripessoal, sob quaisquer formas, inclusive sociedade anônima, segundo o mesmo professor, decorre da regra de interpretação contida no artigo 2°, § 2°, do Decreto-lei n° 4.657, de 4.9.1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), no sentido de que a regra especial criadora da empresa pública unipessoal afastaria a regra geral constante do artigo 80, inciso I, da Lei n° 6.404/76, que exige mais de um sócio para a constituição de companhia.

Nos termos da Constituição Federal de 1988 (artigo 37, incisos XIX e XX), as empresas estatais somente podem ser criadas mediante autorização de lei, assim como para a criação de suas subsidiárias e para participação acionária do Estado em empresas privadas.

5 REGIME JURÍDICO DOS EMPREGADOS DE ESTATAIS



Como visto nos capítulos anteriores, a empresa estatal desempenha atividades públicas, com finalidades também públicas, sendo regidas, também, por normas de Direito público, mas submetendo-se às normas de Direito privado em suas relações com os mercados econômicos em que atuam, por imperativo constitucional, como forma de evitar privilégios frente ao empreendedor particular.

Assim como em relação ao regime jurídico aplicável às empresas estatais, o regime jurídico dos seus empregados é também objeto de infindável discussão.

Argumenta-se que o regime da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT é fator preponderante para identificar-se a qualificação de trabalhador privado nos empregados de empresas estatais.

De ressaltar, todavia, que apenas a regência pela legislação consolidada não define, em absoluto, a natureza do regime jurídico aplicável a determinado grupo de trabalhadores.

Há diversas categorias de trabalhadores privados que não são regidos pela CLT, como os domésticos (Lei n° 5.859/72 e Decreto n° 71.885/73); os rurícolas (Lei n° 5.889/73 e Decreto n° 73.626/74); os temporários (Lei n° 6.019/74 e Decreto n° 73.841/74); os autônomos (artigo 12, inciso V, alínea "h", da Lei n° 8.212/91); os eventuais (artigo 12, inciso V, alínea "g", da Lei n° 8.212/91); os avulsos (artigo 12, inciso VI, da Lei n° 8.212/91 e artigo 9°, inciso VI, do Decreto n° 3.048/99).

Se de um lado há categorias de trabalhadores privados que não são regidos pela CLT, de outro, cabe observar que a CLT também tem aplicação a trabalhadores da área pública, como ocorria antes da Lei n° 8.112/90, instituindo, no âmbito da União, o regime jurídico único dos servidores públicos civis, e como ocorre atualmente, na forma da Lei n° 9.962/00, editada após a modificação do caput do artigo 39 da CF/88, pela Emenda Constitucional n° 20/98, que extinguiu o regime jurídico único.

Com efeito, disciplina a Lei n° 9.962/00 o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências, estabelecendo em seu artigo 1° o seguinte:

Art. 1o O pessoal admitido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário.

§ 1o Leis específicas disporão sobre a criação dos empregos de que trata esta Lei no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, bem como sobre a transformação dos atuais cargos em empregos.



A mera regulação das relações de trabalho pela legislação celetista não traz, portanto, maiores implicações jurídicas na distinção entre trabalhador da área pública ou da iniciativa privada. Ambas as categorias de trabalhadores podem estar submetidas ou não às normas consolidadas.

Conclusão óbvia é que se manter vínculo de trabalho sob o regime celetista não significa ser trabalhador privado, pois aplicável esse regime tanto no campo privado, como no público, além do que há categorias de trabalhadores privados regidas por leis específicas. Repetindo, ambas as categorias de trabalhadores podem estar submetidas ou não às normas consolidadas.

Tratando do regime jurídico dos empregados das empresas estatais, Ferreira (2003, p. 84) apresenta a seguinte conclusão;

11. Os agentes da Administração Empresarial, ou seja, das empresas públicas e sociedades mistas, são:

(a) Administradores e Membros do Conselho Fiscal - titulares de mandatos, exercidos nos órgãos estruturais estatutários dessas pessoas privadas (diretoria, conselho de administração, conselho fiscal), escolhidos pela entidade controladora ou pela assembléia-geral da própria empresa ou sociedade, segundo a hipótese. O conteúdo das respectivas situações jurídicas está, conforme o caso, nas normas de Direito Societário, Civil, Comercial, e no Direito Administrativo (lei criativa ou autorizativa da criação, decreto instituidor, estatutos). Dispõem a respeito desses órgãos, e administradores e conselheiros, os arts. 37, § 8°, e 173, §1°, IV e V, da CF; e os arts. 239, e parágrafo único, e 240 da Lei n° 6.404/76.

(b) Empregados - titulares de empregos, de natureza trabalhista (contrato individual de trabalho), tendo exercício nos ofícios integrantes da organização empresarial da entidade.

Os empregados podem ser permanentes, temporários ou de confiança (v. CF, arts. 54, I, "b", e 142, § 3°, III).

Os empregados das empresas públicas e mistas são celetistas, são empregados de pessoas jurídicas de direito privado. Sua situação jurídica é regida, portanto, pelo Direito do Trabalho (cf. Lei n° 6.184, de 11.12.74), com incidência restrita de normas do Direito Público (v. CF, arts. 37, XVII, e §§ 3°, III, 7°, 9°, e 114) e de normas especiais de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho (cf. Lei n° 9.469/67 e Decreto-lei n° 779/69).



Observe-se que a visão do professor é obtida a partir do regime jurídico privado aplicado no relacionamento das empresas estatais com os mercados econômicos em que atuam e não a partir da natureza das atividades e das finalidades da criação das empresas estatais, repetindo-se a velha máxima de que as empresas públicas são entidades regidas pelo Direito privado.

De notar, porém, que, mesmo a partir dessa visão privatista, que, aliás, tem sido o móvel de toda a discussão jurídica sobre o tema, reconhece Ferreira a incidência de normas de Direito público nas relações entre empresas estatais e seus empregados.

Nesse sentido também é a conclusão a que se chega no presente estudo, partindo-se, no entanto, conforme já ressaltado, de preceitos distintos, quais sejam, os aspectos peculiares envolvendo as empresas estatais, no que dizem respeito à natureza de suas atividades, às finalidades de sua criação, ao seu regime jurídico; e pela contradição do argumento que põe o regime celetista como núcleo da natureza das relações jurídicas entre estatais e seus empregados, pois, conforme já demonstrado, tanto os trabalhadores públicos, quanto os privados podem ser ou não regidos pela CLT.

6 SITUAÇÃO JURÍDICA DO DIRETOR DE EMPRESA



6.1 DISCUSSÃO NO DIREITO DO TRABALHO



Muito se discute sobre a relação jurídica entre a empresa e os seus diretores, partindo-se, todavia, de duas conceituações básicas antagônicas: que o diretor exerce mandato de gestão de negócios, próprio do Direito comercial; que o diretor é mero empregado da entidade que dirige.

Para o presente trabalho, é fundamental assentar as bases dessa discussão, pois dela depende todo o desenvolvimento dos aspectos relacionados à remuneração dos diretores.

Nesse mister, selecionam-se dois doutrinadores de grande relevância no cenário nacional, para buscar-se as respostas necessárias ao desenvolvimento deste estudo.

Assim, ao tratar dos tipos especiais de empregado, Nascimento (1992, p. 179), tece as seguintes considerações:

Discute-se, doutrinariamente, se os diretores de empresas, em especial de sociedades anônimas, são empregados. Toda a dificuldade resulta do fato de agirem como representantes do próprio empregador e com um poder de iniciativa muito grande, a ponto de serem responsáveis pela marcha do negócio. Há diretores estatutários (cargo de direção previsto no Estatuto da empresa) e diretores não estatutários, subordinados, empregados.

Para Lynch, nada obsta a que um diretor de sociedade anônima seja também empregado desta. Ramirez Gronda entende que é preciso em cada caso concreto verificar se o trabalho é uma imediata conseqüência da condição de sócio como uma obrigação a ela inerente ou com independência a ponto de poder ser exercido por qualquer pessoa. O Código Civil italiano (art. 2.095) dispõe que os dirigentes administrativos ou técnicos são trabalhadores subordinados. Portanto empregados, e estabelece uma regulamentação especial. A Lei espanhola de 1931 os excluía da proteção trabalhista. Mário de La Cueva sustenta que os altos empregados não precisam da proteção da lei trabalhista e não estão em situação de subordinação perante o empregador, e por tal razão prestam serviços profissionais, mas não com contrato de trabalho sujeito à regulamentação geral.

Para a teoria tradicional, o diretor de sociedade não é empregado. É mandatário. A relação jurídica que o vincula à sociedade é de mandato e não de emprego. Para a teoria contemporânea, não há incompatibilidade entre a condição de diretor de sociedade e a de empregado.

O elemento fundamental que definirá a situação do diretor de sociedade é a subordinação. O nome "diretor" nada significa para fins de definição do regime jurídico. Há entendimento segundo o qual, como diretor de sociedade é subordinado ao Conselho de Administração da Sociedade Anônima (Lei n° 6.404, de 1976), mantém, com a sociedade, a relação de emprego, com os direitos subjetivos previstos no direito do trabalho.

Pode surgir também o problema do empregado eleito diretor de sociedade anônima, divergindo os autores quanto aos efeitos que se produzirão sobre o seu contrato de trabalho. Há mais de uma teoria. A primeira sustenta que a eleição do empregado para o cargo de direção de sociedade anônima importa na extinção do seu contrato de trabalho, a partir do momento em que assume o cargo, com o que daí por diante deixaria de ter os direitos de empregado. A segunda defende que a eleição provoca mera suspensão do contrato de trabalho, ficando, assim, paralisados os seus efeitos enquanto perdurar a investidura, restabelecendo-se o contrato quando o empregado deixar o cargo de diretor. Há outros entendimentos, mas giram em torno dessas teses principais.



Passando a discutir a condição do ocupante de cargo de confiança, que é conseqüência lógica da nomeação para o cargo de diretor, o mesmo autor o faz nos seguintes termos:

7. EMPREGADO EXERCENTE DE CARGO DE CONFIANÇA

O empregado exercente de cargo de confiança só pode ser considerado um tipo especial de empregado num ponto: a restrição de direitos trabalhistas que sofre. No mais, em nada difere do empregado comum, a não ser também pelas vantagens econômicas maiores do cargo.

O problema maior que aqui surge é a definição de cargo de confiança. Não há definição legal. Quanto ao bancário, a lei (CLT, art. 224, § 2°) considera de confiança os cargos de direção, fiscalização ou chefia, bem como outros análogos.

Como tese doutrinária é possível sustentar que cargo de confiança é aquele no qual o empregado ocupa uma posição hierárquica elevada, na qual tenha poderes de agir pelo empregador nos seus atos de representação externa. Não é todo cargo de direção que se enquadra no conceito, portanto. Excluem-se, também, os cargos técnicos. A tendência é no sentido da restrição do conceito, diante das limitações dos direitos trabalhistas dos exercentes de cargos de confiança. Assim, cargo de confiança é a aquele existente na alta hierarquia administrativa da empresa, conferindo ao ocupante amplo poder de decisão.



Não é diferente a posição de Martins (2001, p. 138) sobre o assunto relacionado à condição de diretor de empresa, como mostra o excerto abaixo transcrito:

Discute-se qual a condição jurídica do diretor da sociedade: se ele é empregado ou prestador de serviços sem vínculo empregatício.

Em primeiro lugar, é mister analisar a condição jurídica do diretor no Direito Comercial, que pode trazer-nos subsídios para a configuração de sua situação jurídica em relação ao Direito do trabalho.

As teorias que informam a condição jurídica do diretor, no âmbito do Direito Comercial, podem ser divididas em duas: teoria do mandato e teoria do órgão da sociedade.

A teoria tradicional é a que entende que o diretor age como mandatário da sociedade, sendo o mandato revogável a qualquer tempo. Notamos que o art. 295 do Código Comercial já dispunha que as sociedades anônimas seriam “administradas por mandatários revogáveis, sócios ou não sócios”. A antiga Lei das Sociedades por Ações, Decreto-lei n° 2.627/40, previa que a assembléia geral de acionistas poderia nomear e destituir os membros da diretoria, do conselho fiscal ou de qualquer outro órgão criado pelos estatutos” (art. 87, a). Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 2:278) entendia, na vigência da antiga lei das sociedades por ações, que o diretor não era mandatário da sociedade, mas membro de um dos órgãos decorrentes “do aparelhamento da pessoa jurídica”.

Preconiza a teoria contemporânea que o diretor não é mandatário da sociedade, mas um dos órgãos desta, agindo aquele em nome e como órgão da companhia, pois a representa e pratica os atos necessários a seu funcionamento regular, como menciona a atual Lei das Sociedades por Ações (Lei n° 6.404/76, art. 144). A situação jurídica do diretor estaria totalmente divorciada da de empregado, inexistindo contrato de trabalho, pois o diretor integra um dos órgãos da sociedade, não podendo ser empregado e empregador ao mesmo tempo, visto que não se subordina a si próprio.

A Lei n° 6.404/76 estabelece que o Conselho de Administração é um órgão intermediário entre a assembléia geral e a diretoria, sendo obrigatório nas sociedades de capital aberto e autorizado (§ 2° do art. 138). Havendo Conselho de Administração na companhia, o diretor não responde diretamente perante a Assembléia Geral. Os membros do Conselho de Administração têm que ser necessariamente acionistas, enquanto os diretores podem ser acionistas ou não (art. 146). Ao Conselho de Administração compete eleger e destituir os diretores, fixando suas atribuições (art. 142,11). O mandato do diretor será de, no máximo, três anos (art. 143, III).

No Direito do Trabalho, podemos dizer que existem duas teorias para justificar a situação em que se encontra o diretor da empresa, embora sejam encontrados os seus desdobramentos: a primeira considera o diretor um mandatário da sociedade, não gozando este de quaisquer direitos trabalhistas, mas de vantagens estatutárias; a segunda, em que o diretor é um verdadeiro empregado, subordinado aos dirigentes máximos da empresa e até mesmo ao Conselho de Administração, nas sociedades que o possuem. (destacamos)

Não se pode dizer, porém, que os altos empregados prescindem de proteção da legislação trabalhista, pois o Direito do Trabalho protege o trabalhador subordinado, independentemente de sua posição hierárquica na empresa.

Se o empregado for eleito diretor da empresa, são encontradas quatro orientações para justificar sua situação na sociedade: (a) há a extinção do contrato de trabalho; (b) há a suspensão do contrato de trabalho; (c) há a interrupção do contrato de trabalho; (d) não se altera a situação jurídica do empregado eleito para o cargo de diretor.

Mozart Victor Russomano (1990:17) ensina que se extingue o contrato de trabalho do empregado quando passa a exercer o cargo de diretor, ante a incompatibilidade da existência do pacto laboral e do mandato de diretor. Ocorre a renúncia por parte do trabalhador de sua condição de empregado. Terminado o mandato de diretor, este não tem direito de ocupar o cargo que anteriormente ocupara na empresa. Existiria, assim, uma contradição entre a condição de diretor e de empregado, entre a pessoa que dirige a sociedade e a pessoa subordinada à mesma sociedade.

Délio Maranhão e Luiz lnácio B. Carvalho (1992:58) sustentam a tese de que se dá a suspensão do contrato de trabalho quando o empregado é eleito diretor. Não seria computado o tempo de serviço em que o diretor laborou na sociedade, para efeito do contrato de trabalho, fazendo jus o diretor apenas a retornar ao status quo ante, após terminado o mandato na companhia. Inexistiria, portanto, a rescisão do contrato de trabalho.

Evaristo de Moraes Filho (1976:180) defende a posição de que o contrato de trabalho fica interrompido, computando-se o tempo de serviço no cargo de diretor para todos os efeitos legais. Seria a hipótese de se aplicar o art. 499 da CLT, em que não há estabilidade no exercício de cargo de diretoria, “ressalvado o cômputo do tempo de serviço para todos os efeitos legais”. O Supremo Tribunal Federal já adotou esse pensamento, ao decidir que “o período em que o trabalhador presta serviços como diretor computa-se como tempo de trabalho para todos os efeitos”. (AI 71.057/MG — Ac. TP, j. 8-9-77, Rel. Min. Cordeiro Guerra, in LTr 42/65.)

Por último, J. Antero de Carvalho (LTr 41/205) entende que a eleição do empregado para ser diretor de sociedade não altera sua situação jurídica, que continua a ser a de empregado. Somente se o diretor for considerado dono do negócio ou acionista controlador é que não será empregado. A essa posição adere Octávio Bueno Magano (1992, v. 2:139-140).

A jurisprudência mais recente sufraga seis posições:

a) o exercício do cargo de diretor não importa a suspensão do contrato de trabalho;

b) persistindo a subordinação inerente à relação de emprego, o vínculo empregatício subsiste;

c) pode haver concomitância das duas funções, de diretor e de empregado, permanecendo inalteradas as atribuições anteriores;

d) o fato de o empregado ser eleito diretor faz com que o contrato de trabalho fique suspenso;

e) o diretor é subordinado ao conselho de administração das sociedades anônimas, configurando, dessa forma, o vínculo empregatício;

f) o diretor tem sua situação regida pela lei das sociedades anônimas, não sendo empregado.

Como vemos, a questão é controvertida, não disciplinando a lei a situação jurídica do diretor. A legislação apenas considera que diretor é o que exerce “cargo de administração previsto em lei, estatuto ou contrato social, independentemente da denominação do cargo” (art. 16 da Lei n° 8.036/90 que trata do FGTS).

O Código Civil italiano pelo menos dispõe que os dirigentes administrativos ou técnicos são trabalhadores subordinados (art. 2.095), não perdendo, assim, a condição de empregados.

O TST, porém, aprovou o Enunciado 269, esclarecendo que “o empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego”.

O verbete, contudo, não prevê outras hipóteses, como a de o diretor nunca ter sido empregado na empresa.

Certas disposições da lei das sociedades anônimas têm que ser trazidas à colação para melhor elucidar a questão.

À primeira vista, verificamos que os diretores podem ser destituídos ad nutum pelo Conselho de Administração (art. 143), o que importaria dizer que haveria subordinação do diretor ao conselho de administração, como órgão intermediário entre a assembléia geral e a diretoria, que exerce controle sobre os atos dos diretores.

Outra ponderação que deve ser analisada é a de que a alínea d do § 1° do art. 157 da Lei n° 6.404/76 mostra o dever de informar do administrador, que deve revelar “as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível”.

Segundo Alessandro Borgioli (1975:144-145), “o diretor geral depende do Conselho de Administração; é colocado sob a sua imediata vigilância; esta relação de dependência ou subordinação não pode considerar-se senão como manifestação da existência de um contrato de trabalho subordinado”.

O diretor apenas executaria as deliberações do Conselho de Administração, que tem o poder de o destituir.

A subordinação ao Conselho de Administração pode, todavia, até existir, mas não se deve considerar como regra, a ponto de se admitir que em todos os casos o diretor é empregado, principalmente nas sociedades nas quais não exista aquele órgão. Entretanto, existe decisão judicial observando que “se a subordinação administrativa da diretoria de uma sociedade anônima não é exclusivamente à assembléia geral de acionistas, mas a um órgão intermediário, a função de diretor é dependente, configurando a subordinação jurídica própria dos contratos de trabalho, e o detentor do cargo, por via de conseqüência, não é mandatário, mas empregado”. (TRT da 12ª R., Proc. RO 326/82, Rel. Juiz Umberto Grillo, DJ SC 10-9-82, p. 352.)

Algumas distinções devem ser feitas quanto ao diretor, inicialmente lembrando que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros” (art. 20 do CC).

O empregado pode ser eleito diretor e passar a exercer o cargo de diretoria, podendo ser considerado diretor-empregado ou diretor-órgão, dependendo do caso. Pode existir outra situação de fato, quando a pessoa é contratada para ser diretor, por suas qualificações técnicas, o que vai depender do elemento subordinação para a configuração da relação de emprego.

Se o diretor é eleito para a Diretoria por ser detentor do capital, dono do negócio ou acionista controlador, não será empregado, mas será regido pela legislação comercial.

As empresas poderão equiparar seus diretores não empregados aos demais trabalhadores sujeitos ao regime do FGTS (art. 16 da Lei n° 8.036/90). Ao término do mandato na sociedade, o diretor poderá levantar o FGTS. Deixando o diretor o cargo, por sua iniciativa, só sacará o FGTS nas hipóteses descritas no art. 4° da Lei n° 6.919/81.

Mais se aproxima o diretor da condição de empregado se verificado o requisito subordinação. É o caso de o diretor ter horário fixo para trabalhar, ser controlado pelo empregador por intermédio de cartão de ponto, livro de ponto ou folha de ponto.

Estando o “diretor” obrigado a cumprir ordens de serviço dos superiores, sofrendo fiscalização, penalidades e advertências, estará evidenciada a relação de emprego. O diretor subordinado à presidência, ou à vice-presidência ou a diretor superintendente da empresa, que praticamente decide tudo e a quem presta contas, não lhe dando margem a qualquer decisão, é um verdadeiro empregado. O mesmo ocorre se para admitir ou dispensar funcionários tenha o diretor que consultar superiores, mostrando que não tem nenhuma autonomia.

Quando o diretor é recrutado do quadro de funcionários da própria empresa, a relação de emprego torna-se mais aparente. Se antes a pessoa era empregada e continua a fazer o mesmo serviço como diretor, sem qualquer acréscimo de atribuições, em que não se verifica nenhuma mudança, será considerada empregado. Não tendo a diretoria eleita nenhuma autonomia, pois é apenas figurativa, sendo o diretor subordinado ao gerente-geral, nota-se também a existência do elemento subordinação. É o caso de todas as decisões que envolvem grandes valores, como vendas e investimentos, ou quanto a aumentos de salário e outras decisões estratégicas, dependentes da decisão de uma pessoa na empresa, a quem cabe a palavra final sobre tais aspectos e a quem o diretor é subordinado.

Como os honorários do diretor são reajustados pela legislação salarial ou dissídio coletivo da categoria, pode haver um indício de sua condição de empregado, pelo pagamento de salário e não de honorários.

Há casos em que o diretor passa por várias empresas de um grupo econômico, tendo mantido em muitas delas contrato de trabalho, sendo admitido e readmitido em curtos períodos, o que pode mostrar fraude, inclusive se aplicando por analogia o Enunciado 20 do TST, pelo fato de o empregado permanecer “prestando serviços, ou tiver sido, em curto prazo, readmitido na empresa”.

O volume de ações ou cotas da sociedade possuídas pelo diretor ou empregado nem sempre determinará a condição de dirigente. O diretor pode ter cotas ou ações da empresa como investimento. E o caso de se lembrar do caixa do banco que possui algumas ações do Banco do Brasil, não se querendo dizer com isso que seja dirigente do banco. Como leciona Amauri Mascaro Nascimento (1992, p. 118), “não são incompatíveis as condições de empregado e acionista da sociedade anônima, desde que o número de ações não se eleve a ponto de transformar o empregado em subordinante e não em subordinado. Não há um critério exato para definir qual o número de ações que transformará a condição do empregado. Será um número que lhe dê condições de influir nos destinos da sociedade em dimensão expressiva”.

O TST já decidiu que “o fato de o empregado ser elevado à condição de diretor, por eleição da assembléia geral da sociedade empregadora, não determina a perda daquela qualidade, a não ser que comprove que ele é proprietário de ações a tal ponto que configure vultoso capital, e a qualidade de proprietário das ações tenha sido o motivo primordial de sua investidura”. (TST, Pleno, Ac. 2.294/78 — Proc. E-RR 662/76, j. 23-10-78, Rel. Min. Raymundo de Souza Moura, DJ 16-3-79, p. 1.846.)

Pode, assim, a pessoa ter influência nas decisões da sociedade como acionista ou cotista, tendo 51% das ações ou cotas, ou mesmo possuindo quantidade inferior, bastando que tenha o controle das deliberações da sociedade, pelo fato de a maioria das ações estar pulverizada entre várias pessoas. Seria o caso de ter, por exemplo, 10 ou 20% das ações ou cotas, estando as demais ações ou cotas nas mãos de várias pessoas, que, isoladamente, nada representam.

Prestando o diretor serviços para uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada, o vínculo de emprego pode existir entre as partes, mormente quando o diretor não tem qualquer cota da sociedade ou tem um número reduzido delas, que não implique possibilidade de influir nos destinos da empresa. Nesse sentido, o TST já decidiu que o “diretor da sociedade limitada, que não é sócio quotista, só pode ser empregado para todos os efeitos legais, ainda quando já tinha vínculo empregatício anterior com outra empresa do mesmo grupo. Decisão do TRT que não ofende o art. 13 do Decreto-lei 3.708/79”. (TST, 3ª T., Proc. RR 0186/86, Rel. Mi Guimarães Falcão, DJ1O5/86.)

Mesmo quando o diretor possui procuração da empresa, podendo admitir e dispensar funcionários, tendo padrão mais elevado de vencimentos, mas ainda é subordinado a alguém na empresa, existe o vínculo empregatício. Apenas o empregado não teria direito a horas extras, caso as prestasse, segundo o inciso II, do art. 62 da CLT.

Assim, o nome dado ao cargo pouco importa. Se a empresa rotula o empregado de diretor, mas permanece algum elemento do contrato de trabalho, principalmente a subordinação, nada irá mudar sua situação de empregado.

Nos exemplos apontados, o suposto diretor mais se caracteriza como empregado de confiança do que como órgão da sociedade. Seria o caso de se aplicar o ad. 499 da CLT que, em nosso modo de ver, refere-se ao diretor-empregado. Não haveria, assim, estabilidade no cargo de diretor, mas seria computado o tempo de serviço para todos os efeitos legais.

Muitas vezes, as fraudes são verificadas nas sociedades de capital e indústria, em que o sócio que empresta seu trabalho é subordinado, nada tendo de sócio, mas de verdadeiro empregado.



Os textos retrotranscritos, embora pareçam demasiadamente extensos, mostram-se necessários para a discussão, dando o panorama da situação do diretor de empresa frente à legislação trabalhista.

A despeito da controvérsia existente em torno da matéria, acredita-se que a discussão pode ser simplificada, colocando-se, novamente, os aspectos essenciais à frente dos acidentais.

Ora, se o diretor não é proprietário da empresa e não é profissional liberal prestador de serviços (auditoria, consultoria, assessoria), somente pode ser tido como empregado, pois estará, inelutavelmente, subordinado a alguém, que é(são) o(s) proprietário(s), diretamente ou por representação de órgão colegiado. Esse proprietário, detém o poder de nomeação e de demissão, é o chefe, é o patrão, ou outra figura equivalente, enfim, é quem efetivamente determina os destinos da empresa.

A atuação do diretor, por mais liberdade de decisão que detenha, sempre estará jungida às diretrizes fixadas pelo ente que o nomeou, pouco importando se a forma de nomeação decorreu de decisão singular, de decisão colegiada; de livre vontade ou em decorrência de disposições estatutárias.

Nesse sentido, tem-se como acertada a posição adotada pelo egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST, por intermédio do Enunciado n° 269, de considerar o vínculo empregatício sempre que constatada a subordinação do diretor, o que, em princípio, sempre ocorrerá.

Feitas essas considerações, para os fins do presente estudo, pressupõe-se que os diretores de empresas estatais são empregados dessas entidades públicas, afastando-se, também, maiores discussões sobre a ocorrência de suspensão, de interrupção ou de extinção do contrato de trabalho do diretor que já mantém vínculo de emprego com a empresa.





6.2 NOMEAÇÃO



6.2.1 Formalidades



Os mecanismos de nomeação dos diretores de empresas estatais podem variar de acordo com a forma de constituição da entidade. Sobre o assunto, conforme já salientado anteriormente, Ferreira (2003, p. 84) faz o seguinte destaque:

Os agentes da Administração Empresarial, ou seja, das empresas públicas e sociedades mistas, são:

(a) Administradores e Membros do Conselho Fiscal - titulares de mandatos, exercidos nos órgãos estruturais estatutários dessas pessoas privadas (diretoria, conselho de administração, conselho fiscal), escolhidos pela entidade controladora ou pela assembléia-geral da própria empresa ou sociedade, segundo a hipótese. O conteúdo das respectivas situações jurídicas está, conforme o caso, nas normas de Direito Societário, Civil, Comercial, e no Direito Administrativo (lei criativa ou autorizativa da criação, decreto instituidor, estatutos). Dispõem a respeito desses órgãos, e administradores e conselheiros, os arts. 37, § 8°, e 173, §1°, IV e V, da CF; e os arts. 239, e parágrafo único, e 240 da Lei n° 6.404/76.



Sob quaisquer das formas em que se revestir a nomeação do diretor de empresa estatal, estará esse agente público representando aquele que detém poderes para controlar a entidade, seja a nomeação feita de forma direta, como ocorre em relação à Caixa Econômica Federal, ou de forma indireta, nos caso de nomeação por intermédio de assembléias de acionistas ou órgãos colegiados, conforme disposições estatutárias.

Desse modo, regra geral, o Chefe do Poder Executivo sempre será a autoridade delegante do poder de administração da empresa estatal, ressalvadas as garantias dos acionistas minoritários, no caso das sociedades de economia mista, conforme estabelece o artigo 240 da Lei n° 6.404/76.

Importante frisar também que o cargo de confiança próprio da iniciativa privada, nas empresas estatais, normalmente, é chamado de emprego em comissão (EC), verificando-se, nesse particular, o misto de cargo de confiança da legislação trabalhista e cargo comissionado do regime estatutário, em vista do imperativo constitucional que exige prévia aprovação em concurso público para ingresso no Serviço Público, exceto para o cargo em comissão, cujo ocupante é demissível ad nutum (artigo 37, inciso II).





6.2.2 Delegação de poderes



Aliada à distinção da natureza das atividades das empresas estatais e do seu regime jurídico administrativo, há outro fator preponderante na administração dessas entidades, não discutido pela doutrina administrativista, que é a natureza da delegação de poderes ao administrador.

Embora jungidas as empresas estatais à observância das regras de mercado em específicas condições determinadas pelo próprio texto constitucional, conforme já verificado, a sua administração deve visar ao interesse público, cuja condução está a cargo da autoridade eleita para o cargo do Poder da República que detém o controle da estatal.

Com isso, de admitir-se que essa autoridade máxima do Poder Público, a quem compete a administração do Estado, dentro da sua competência, no exercício do cargo, tem a sua conduta regrada por normas de Direito público, devendo agir dentro dos limites que a lei e o interesse público a permitirem.

Assim, seria ilógico pensar que o Administrador de uma pequena parte do Estado pudesse agir conforme a sua vontade, enquanto que a autoridade superior tem as suas ações limitadas por normas de Direito público.

Se o poder da autoridade que detém a prerrogativa de nomear e exonerar, direta ou indiretamente, o dirigente de empresa estatal está circunscrito por normas de Direito público, muito mais razão há para entender-se que o agente delegado dessa autoridade também não possui liberdades irrestritas de atuação. A autoridade à qual foi delegada a função administrativa não pode deter maiores poderes que a autoridade que procedeu à delegação.

Isso também reforça a convicção de que nada há no ordenamento jurídico brasileiro sustentando o entendimento de que um administrador, nomeado pela vontade de um representante do povo, administrador esse demissível ad nutum, possa vir a fazer e a acontecer durante a sua gestão frente a uma entidade pública, agindo como agiria um administrador privado.

A partir dessas constatações, parece possível concluir que dos poderes limitados concedidos ao Chefe do Executivo não se podem extrair poderes ilimitados para administrar as empresas estatais. Seriam despropositadas quaisquer incursões nesse sentido.







6.3 REMUNERAÇÃO



Conforme já visto, à luz da legislação trabalhista, o diretor ocupa cargo de confiança, sendo esse cargo nas empresas estatais, regra geral, denominado emprego em comissão (EC), havendo um misto de cargo de confiança da iniciativa privada e de cargo em comissão do regime estatutário.

A fixação dos valores da remuneração desses cargos pode ocorrer das mais variadas formas, conforme a natureza jurídica e a maneira de administração da empresa estatal em questão. Assim, as remunerações dos empregos em comissão podem ser fixadas em planos de cargos e salários, em convenção coletiva ou dissídio coletivo, ou, até mesmo, em normas regulamentares do Poder Executivo, seja diretamente por meio de decretos ou mediante aprovação órgãos colegiados, como o Conselho de Política de Pessoal do Distrito Federal.





6.4 ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS



Segundo a doutrina de Meirelles (2001, p. 410), a proibição de acumular cargos empregos e funções públicas no Brasil remonta à Administração imperial, como mostra o trecho seguinte da obra do saudoso autor:

A proibição de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções, tanto na Administração direta como nas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público (CF, art. 37, XVI e XVII), visa a impedir que um mesmo cidadão passe a ocupar vários lugares ou a exercer várias funções sem que as possa desempenhar proficientemente, embora percebendo integralmente os respectivos vencimentos. As origens dessa vedação vêm de longe, ou seja, do Decreto da Regência, de 18.6.1822, da lavra de José Bonifácio, cuja justificativa tem ainda plena atualidade quando esclarece que por ele "se proíbe que seja reunido em uma só pessoa mais de um ofício ou emprego, e vença mais de um ordenado, resultando manifesto dano e prejuízo à Administração Pública e às partes interessadas, por não poder de modo ordinário um tal empregado público ou funcionário cumprir as suas funções e as incumbências de que duplicadamente encarregado, muito principalmente sendo incompatíveis esse ofícios e empregos; e, acontecendo, ao mesmo tempo, que alguns desses empregados e funcionários públicos, ocupando os ditos empregos e ofícios, recebam ordenados por aqueles mesmo que não exercitam, ou por serem incompatíveis, ou por concorrer o seu expediente nas mesmas horas em que se acham ocupados em outras repartições".



Tais dispositivos historicamente verificados na legislação brasileira, hoje, estão insculpidos no artigo 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, Do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;



Nessa linha, para viabilizar a nomeação de servidores públicos efetivos para ocuparem cargo, emprego ou função comissionada na Administração Pública, há mecanismos legais que evitam a incidência de acumulação ilícita.

O principal mecanismo é o que se chama de "opção" pela remuneração do cargo efetivo ou pela remuneração do cargo comissionado. Assim, mesmo ocupando um cargo ou emprego efetivo e um cargo ou função comissionada, o agente público não incorrerá na acumulação ilícita vedada pela Constituição Federal de 1988, pois não perceberá a integralidade das duas remunerações.

No âmbito do Distrito Federal, essa matéria é regulada por meio dos Decretos n° 7.862/84 e 18.939/97, estabelecendo que o optante pela remuneração do emprego ou cargo efetivo fará jus a 55% da remuneração do respectivo emprego em comissão.

Em decorrência disso, o servidor ocupante de cargo ou emprego ou o empregado ocupante de emprego efetivo que é nomeado para o cargo de direção fica obrigado a optar pela integralidade da remuneração do emprego em comissão, em detrimento da remuneração do cargo ou emprego, ou pela remuneração do cargo ou emprego efetivo, acrescido de certo percentual da remuneração do emprego em comissão, conforme dispuser a legislação.

Esse sistema de remuneração traz implicações bastante importantes para a fixação do teto de remuneração, porque existe a possibilidade de o servidor ou o empregado vir a incorporar à sua remuneração a parcela percebida em contrapartida pelo desempenho do emprego em comissão, conforme exposto a seguir.





6.5 INCORPORAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DO EMPREGO EM COMISSÃO



Desde a Década de 70, vem-se discutindo o direito do empregado ou servidor público à incorporação da remuneração do cargo comissionado, como vantagem pessoal.

Na esteira de várias decisões da Justiça do Trabalho, em relação a empregados celetistas, inclusive de empresas privadas, foi editada a Lei n° 6.732/79, permitindo a incorporação das parcelas de "quintos", calculadas na base de 1/5 da remuneração do cargo ou função comissionada, por ano de exercício, a partir do sexto ano.

Muito se discutiu também se os empregos em comissão, as funções comissionadas, as funções gratificadas etc exercidas nas empresas estatais dariam direito a essa incorporação, considerando-se a acepção genérica de Administração Pública, muitas vezes suscitadas para permitir uma ou outra vantagem.

Fato é que, após 1985, havendo manifestação favorável da Procuradoria Geral do Distrito Federal (Parecer n° 2321/85), os servidores do Distrito Federal passaram a incorporar a vantagem dos "quintos" prevista na Lei n° 6.732/79 com base em cargos e funções comissionadas desempenhadas em empresas estatais do Distrito Federal.

Na União, o posicionamento do Tribunal de Contas da União - TCU não permitiu a mesma incorporação, embora admitisse a Corte de Contas federal a contagem dos períodos de exercício de cargos e funções comissionadas em empresas estatais para fins de preenchimento da carência de cinco anos exigida pela Lei n° 6.732/79.

Posteriormente, em julho de 1994, a matéria sofreu modificações, por conta da regulamentação do § 2° da Lei n° 8.112/90, feita por meio da Lei federal n° 8.911/94.

Ainda, na União, houve a edição da Medida provisória n° 831/95, transformando os "quintos" em vantagem pessoal nominalmente identificada, e no Distrito Federal conforme as Leis n° 1.004/96 e 1.141/96, em vez "quintos", os servidores passaram a incorporar "décimos", sendo 1/10 para cada ano de exercício.

Atualmente, na área federal e no Distrito Federal, não há mais permissão para incorporar-se parcelas da remuneração dos cargos e funções comissionadas, em vista da Medida Provisória n° 831/95, na esfera federal, e da Lei n° 1.864/98, no Distrito Federal, mas remanescem situações da antiga legislação que serão afetadas pelos atuais dispositivos constitucionais que cuidam do teto de remuneração dos agentes públicos.

É que a vantagem dos "quintos" ou "décimos" corresponde ao que se chama de "vantagem pessoal", pois decorre apenas do atendimento de certos requisitos legais. Na espécie, a lição de Meirelles (2001, p. 450) diz tratar-se de vantagem pro labore facto, ou seja, em razão de trabalho já realizado, bastando o preenchimento das exigências legais para haver a incorporação da vantagem ao patrimônio subjetivo do empregado ou servidor. O mesmo ocorre em relação à vantagem "adicional por tempo de serviço", bastante comum na iniciativa privada, também.

7 DISCUSSÕES SOBRE O TEMA



7.1 LEGISLAÇÃO APLICÁVEL



A redação original da Constituição Federal de 1988 dispunha sobre limites de remuneração no Serviço Público da seguinte forma:

Capítulo VII - Da Administração Pública

Seção I - Disposições Gerais

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

[...]

XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;



A União federal regulamentou a matéria por intermédio da Lei n° 8.852/94, mas dá-se especial destaque à Lei do Distrito Federal n° 237/92, pois essa lei foi a primeira a ser questionada perante o Supremo Tribunal Federal - STF, como visto adiante. A propósito, esse é o teor da Lei n° 237/92:

Art. 1º - Nenhum servidor da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional poderá perceber, mensalmente, a título de remuneração, proventos ou pensão, importância superior à soma dos valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título por Secretário de Estado.

Parágrafo Único – Excluem-se do teto de remuneração de que trata o caput deste artigo as vantagens previstas nos incisos II a VII do artigo 61 da Lei Federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, bem assim as vantagens de caráter pessoal de qualquer natureza.

Art. 2º - O disposto no artigo anterior aplica-se à remuneração dos dirigentes e empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista controladas direta ou indiretamente pelo Distrito Federal, mediante deliberação das respectivas Assembléias Gerais.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos financeiros a partir de 1º de janeiro de 1992.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.



Com o advento da Emenda Constitucional n° 19/98, além de implementarem-se modificações no caput e no inciso XI do artigo 37, acrescentou-se o § 9°, ficando os comandos constitucionais com a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal;

[...]

§ 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.”



Atualmente, após a Emenda Constitucional n° 41/03, a redação do inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 é a seguinte:

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;



Destarte, três situações distintas envolvendo o teto constitucional são extraídas das normas legais aplicáveis.

Primeiramente, com a redação original do inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal, o limite de remuneração era disciplinado em lei ordinária, ficando de fora dessa limitação as vantagens pessoais.

Em segundo lugar, a partir da EC n° 19/98, o teto passou a abranger também as vantagens pessoais, mas, em vista da ausência de fixação dos subsídios que serviriam de base para o limite, ficaram valendo as regras anteriores.

Por último, nada obstante o texto introduzido pela EC n° 19/98, somente a partir da edição da EC n° 41/03, fechou-se acordo entre os Poderes da República, sobre os subsídios, surgindo a terceira situação, abrangendo todas as parcelas percebidas pelo servidor, inclusive, as vantagens pessoais.





7.2 POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO



A doutrina administrativista tradicional não traz grandes considerações sobre o tema, limitando-se a afirmar o caráter dúplice do regime jurídico aplicável às empresas estatais, o que levaria ao entendimento de que tais entidades estariam sujeitas às regras de licitação, de concurso público, de acumulação de cargos etc. Porém, não se faz, sequer, menção a respeito do disposto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988.

Em estudo desenvolvido por Ferreira (2003, p. 87), o assunto foi examinado, apresentando-se as seguintes conclusões:

[...]

15.6. Há necessidade, portanto, de identificar-se, em relação a cada regra, sua exata destinação. Toda essa evolução dos trabalhos constituintes impõe, com efeito, que se precise. com referência a cada dispositivo, sua destinação específica.

15.7. Podemos, no entanto, desde logo, assinalar: (a) o art. 37 encerra vários incisos e parágrafos que se dirigem a todos os agentes públicos, inclusive membros dos Poderes Políticos e instituições de provedoria de justiça; mas outros, apenas, a determinadas categorias; (b) No tocante às empresas administrativas e às subsidiárias paradministrativas, estão elas submetidas às regras do art. 37, apenas quando explicitamente referidas.

16. Fixemo-nos, tendo em vista o objeto do presente estudo, na distinção, constitucional, do tratamento entre emprego como gênero; e emprego publico, como espécie própria da Administração Direta, Autárquica e Fundacionais.

16.1. No sentido genérico, a abranger os empregos públicos, da Administração Direta, autárquica e fundacional, e também os empregos nas empresas públicas e mistas, e, em alguns casos, das subsidiárias paradministrativas, citem-se os seguintes dispositivos constitucionais:

(a) art. 14, § 9° - ‘abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta’;

(b) art. 37, XVII - extensão da proibição de acumular a empregos, inclusive em empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias,

(c) art. 37, § 3°, III - ‘representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública’;

(d) art. 37, § 7° - ‘restrições ao ocupante de cargo ou emprego da administração direta e indireta que possibilite o acesso a informações privilegiadas’;

(e) art. § 4°, I, b - vedação a Deputados e Senadores, ‘desde a expedição do diploma ‘de aceitar ou exercer' ‘emprego remunerado’ em ‘pessoa jurídica de direito público, autárquica, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços público’;

(f) art. 114 - competência, da Justiça do Trabalho, para dissídios entre ‘trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União’;

(g) art. 142, § 3°, III - posse, de militar da ativa, ‘em cargo, emprego ou/unção pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta’.

16.2. Diversamente, a espécie emprego público é identificada, pela CF, como modalidade de situação jurídico-funcional própria dos agentes públicos, específica da Administração Direta, Autárquica e Fundacional, conforme se verifica pela dicção dos dispositivos que se seguem:

(a) art. 37, Xl - limite estipendial dos ‘ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional’;

(b) art. 38, I, IV - limite, situação do exercente de mandato eletivo, ‘servidor público da administração direta, autárquica e fundacional’, em relação a seu ‘cargo, emprego ou função’;

(c) art. 39, § 6° - publicação anual, pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, dos ‘valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos’;

(d) art. 40 - filiação, ao regime geral de previdência social, do servidor ocupante de ‘emprego público’;

(e) arts. 51, IV, e 52, XlII - competência privativa, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, para dispor sobre ‘cargos, empregos e funções de seus serviços’;

(f) art. 61, § 1°, a - iniciativa privativa do Presidente da República ‘das leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração’.



A abordagem acima foi procedida a propósito da manifestação do Relator da Constituinte, Senador Bernardo Cabral, da seguinte forma:

Promovi substancial redistribuição dos dispositivos aprovados em primeiro turno, para compatibilizar seus mandamentos com o princípio constante do título da Ordem Econômica (art. 173, § 1°), que submete as entidades estatais, no tocante às obrigações trabalhistas, ao regime fixado para as empresas privadas, e, assim, obstar desvirtuamento da 'mens legislatoris' em interpretações futuras. Com esse intuito, reuni na Seção I (Das Disposições Gerais) os preceitos que dizem respeito aos diversos segmentos de Administração Pública e aos servidores em geral, independentemente de seu regime jurídico. Na Seção II, agrupei os dispositivos aplicáveis apenas aos servidores civis da administração direta, autárquica e fundacional.



Verifica-se, assim, que a conclusão apresentada no mencionado estudo choca-se com a manifestação do Senador Bernardo Cabral, por entender o estudioso que nem todos os dispositivos constantes dos incisos do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 são aplicáveis às empresas estatais, porque a referência a "emprego" diria respeito apenas à Administração direta, autárquica e fundacional, nos termos expressos no inciso XI do referido artigo.

A abordagem em questão exigiria maiores questionamentos, porque a doutrina não é uníssona na definição de emprego público. Há quem diga que os empregados de empresas estatais são empregados públicos (Meirelles: 2001, p. 383; Figueiredo: 2003, p. 118; Di Pietro: 2004, p. 434), o que traria dificuldades para a aceitação da tese de Ferreira.

Aliás, a opinião de Figueiredo (2003, p. 118) é exatamente em sentido oposto, entendendo que:

"Parece-nos, de conseguinte, que, quando a Constituição refere-se a empregos, está a falar precipuamente das empresas estatais, e, além destas, daquela possibilidade de admissão de empregados temporários para a Administração Central, por força de necessidades temporárias, inadiáveis, e de alto interesse público".



No entanto, data venia, esse caminho prende-se aos aspectos meramente superficiais das entidades em estudo, por desvincular-se da verdadeira conceituação de empresas públicas como sendo instrumentos de atuação do Estado. O fato de os empregados das empresas estatais serem chamados "empregados públicos" ou "empregados de empresas estatais" mostra-se irrelevante para a definição da matéria.

De mais a mais, admitir-se que o caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 faz menção a todas as entidades públicas e que os seus incisos têm alcance limitado, data venia, não é interpretação das mais consistentes.





7.3 JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF



O posicionamento do Pretório Excelso sobre a questão do teto dos empregados de empresas estatais pode ser discutido a partir do julgamento da ADIn n° 787/DF, pela qual se questionou o teor da Lei distrital n° 237/92, conforme já adiantado anteriormente.

A partir desse julgamento, o mesmo entendimento foi repetido no julgamento das ADIn n° 905 e 906, contra a Lei n° 10.331/93 do estado do Paraná; 1033, contra a Lei federal n° 8.852/94; 1282 e 1590, contra o Decreto n° 35.265/92, do Governo do Estado de São Paulo.

Na oportunidade, o debate foi bastante intenso, em torno do alcance do disposto no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, resultando no indeferimento da medida cautelar pleiteada.

Com efeito, ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, entendendo que os empregados de empresas estatais não estavam abrangidos pelos ditames constitucionais, pois que vinculados às respectivas empresas sob as normas do Direito privado.

A maioria, contudo, seguiu o voto apresentado pelo Ministro Octávio Gallotti, partindo da premissa de que as empresas estatais integram a Administração Pública mencionada no caput do artigo 37 da Constituição Federal, estando sujeitas, portanto, ao que dispõe os incisos e parágrafos do referido artigo, regras essas aplicáveis a todas as entidades públicas, a despeito do regime de Direito privado fixado no artigo 173 da Constituição Federal.

Pela importância do debate, transcrevem-se a seguir as manifestações ocorridas:

O SENHOR MINISTRO OCTÁVIO GALLOTTI (RELATOR): - A norma discutida acha-se radicada no art. 37 da Constituição, cujo caput se refere à "administração pública direta, indireta ou fundacional” expressão para a qual, pelo menos no tocante ao item XI do dispositivo (teto de remuneração), o Requerente preconiza o sentido (mais restritivo) de administração pública direta, autárquica ou fundacional.

Do tratamento que se vier a dar a essa premissa, irradiará a solução das demais questões suscitadas na petição inicial pois, uma vez legitimada a sujeição, ao teto constitucional, dos empregados das sociedades mistas e empresas públicas — como entes de administração indireta — autorizada estará a exceção que o legislador ordinário, nesse ponto, estabelece ao seu regime de remuneração.

Diante dessa consideração preambular, e sem prejuízo do detido exame de mérito, que haverá de merecer a controvérsia, não reputo configurado, no caso, um relevo de fundamentação jurídica, suficiente para a concessão da liminar.

No tocante ao perigo da demora, pondero que o caráter alimentar dos salários, ligado às necessidades de subsistência, desce de pronto, na espécie dos autos, onde a diferença discutida é só aquela que ultrapassa o valor da retribuição do cargo de Secretário de Estado.

Ante o exposto, indefiro o pedido de medida cautelar.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÈLIO - Senhor Presidente, tenho a matéria como relevante e, além do relevante, vejo, no caso, não só o sinal do bom direito, no que pleiteada a liminar, como também o risco de manter-se, com plena eficácia, o preceito.

É certo que o artigo 37 da Constituição Federal prevê que o que nele se contém é aplicável à “administração pública direta, indireta ou fundacional”. Há alusão à administração indireta, e todos sabemos que a administração indireta é integrada, também, pelas empresas publicas e sociedades de economia mista. Contudo, a razão de ser da referência à expressão "administração indireta” está no fato de essa expressão alcançar, também, es autarquias e se quis colocar os respectivos servidores sob a égide desse artigo. Os prestadores de serviços das sociedades de economia mista e das empresas públicas não são servidores, não percebem vencimentos, são empregados, porque contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho, e recebem unicamente salários.

Ora, se firmo essa premissa e se considero que temos, nos incisos pertinentes do referido artigo 37, a alusão a vencimentos e a servidores públicos, afasto, pelo menos ao primeiro exame, a abrangência da menção contida no caput à administração pública indireta, a ponto de alcançar pessoas jurídicas de direito privado, como o são as sociedades de economia mista e as empresas públicas.

Não obstante, há mais, Senhor Presidente: o legislador constituinte de 1988, quando quis, lançou dispositivo abrangendo, também, os prestadores de serviço das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Refiro-me à previsão do inciso XVII do citado artigo 37. Quanto à acumulação, houve alusão, aí sim, explícita, às demais pessoas jurídicas que integram, além das autarquias, a administração indireta.

Indo além, verifico que no artigo 173, § 1°, da Constituição Federal, emprestou-se aos empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista — por via indireta, é certo — um tratamento todo próprio, ao apontar-se que, no tocante às obrigações trabalhistas, essas pessoas jurídicas ficam submetidas à legislação geral, portanto, à Consolidação das Leis do Trabalho.

Alfim, Senhor Presidente, porque não me defronto com hipótese que envolva servidor ou vencimentos em si, peço vênia ao nobre Relator para deferir a liminar e suspender a eficácia do artigo 2° da Lei n° 237, do Distrito Federal, que tem a seguinte redação:

"O disposto no artigo anterior aplica-se à remuneração dos dirigentes e empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista controladas direta ou indiretamente pelo Distrito Federal, mediante deliberação das respectivas Assembléias Gerais.

O artigo anterior cogita do teto representado pelo que percebido pelo Secretário de Estado.

É como voto na hipótese dos autos.

O SENHOR MINISTRO OCTÁVIO GALLOTTI (RELATOR) - Senhor Ministro Marco Aurélio, não sei se o Tribunal Superior do Trabalho tem jurisprudência sobre esse item específico do artigo 37. A inicial informa que, quanto ao inciso referente ao direito de greve, aquele Tribunal Superior do Trabalho considerou que só é aplicado à Administração indireta autárquica. Agora, devo informar, ao Tribunal, que no plano da Administração - isto é, no Tribunal de Contas da União, na Consultoria-Geral da República e na Procuradoria-Geral da Fazenda - a orientação é no sentido de que se aplica, aos empregados das sociedades de economia mista, esse teto constitucional; assim como o inciso relativo ao concurso também foi considerado aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista. E receio que, se começarmos a excluir incisos desse artigo 37, da incidência do caput, que abrange toda e Administração indireta, acabaremos por esvaziar todo o conteúdo do texto constitucional hoje, o teto, amanhã a exigência do concurso, depois a exigência da licitação, e esse caput do artigo 37, poderá, penso eu, terminar inteiramente abolido pela jurisprudência.

Era esse o esclarecimento que eu queria prestar ao eminente Ministro Marco Aurélio.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Veja V. Exª., Senhor Ministro: se entendermos que o limite alusivo a vencimentos também é aplicável a esses empregados, e não apenas aos servidores, caminharemos para assentar que também se aplica, às relações jurídicas mantidas, o preceito do artigo 37 que veda a vinculação, que veda a equiparação salarial e aí afastaremos, por via de conseqüência, a incidência do artigo 173, § 1°, da Carta. Agora, há mais um dado: é que, sob a égide da Constituição pretérita, creio que jamais esta corte entendeu aplicável aos empregados de sociedades de economia mista e aos empregados de empresas públicas a vedação do artigo 102, § 2°, quanto à percepção, na inatividade, de proventos superiores ao que percebido em atividade. Por isso, creio que precisamos, nessa referência à administração indireta, sopesar, também, as repercussões de se empregar um rigor maior quanto aos preceitos alusivos às vedações. Não consigo, de forma alguma, enquadrar um prestador de serviço de uma sociedade de economia mista como servidor; não consigo, de forma alguma, apontar que o que ele percebe é vencimento, e não salário; não consigo afastar do cenário jurídico a possibilidade de ele entrar, no âmbito da Justiça do Trabalho, com uma reclamação trabalhista objetivando a isonomia, a equiparação salarial, considerado o que percebido por um que exerça função idêntica.

O SENHOR MINISTRO OCTÁVIO GALLOTTI (RELATOR) - Veja V. Exª. que a Constituição de 67 tinha uma seção intitulada “DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS’, e a atual tem capítulo denominado “DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA".

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Porque deixamos de ter o regime estatutário. A supremacia do Estado foi alijada, e em boa hora, do cenário jurídico. Hoje, no âmbito Federal, lavra-se um termo a ser assinado pelas partes, do qual as devem constar as atribuições, os devedores, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado que, na dicção legal, "não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previstos em lei" - artigo 13 da Lei n° 8.112/90. Isto decorreu, posso afirmar, da cláusula relativa à irredutibilidade dos vencimentos (sentido lato) consagrada constitucionalmente no inciso XV do artigo 37 em comento.

Defiro a medida cautelar.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: - Sr. Presidente, a legislação trabalhista se aplica, integralmente, nas ralações de trabalho entre as empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades que explorem atividade econômica e seus empregados. Isto deflui do que está posto no § 1° do art. 173 da Constituição.

A questão a saber em seguida é esta: aplicável a legislação trabalhista, por força da Constituição, seria possível a fixação de um teto salarial a ser observado em relação a esses servidores, vale dizer, o teto que se aplica aos servidores públicos? Penso que é possível a fixação desse teto, desde que, evidentemente; não implique desrespeito a direito adquirido e ao principio da irredutibilidade salarial.

Assim, considerado em abstrato, não vejo, no dispositivo posto no art. 2°, relevância no fundamento da inicial no sentido da inconstitucionalidade desse dispositivo.

Assim, acompanho o Sr. Ministro Relator, ressalvando, todavia, que esse dispositivo há de ser aplicado com respeito aos direitos adquiridos e à irredutibilidade salarial dos servidores das empresas publicas e sociedades de economia mista referidos no mencionado art. 2° da Lei 237 do Distrito Federal, de 20 de janeiro de 1992.

Com essas breves considerações e com a ressalva expressa ora feita, peço vênia ao Sr. Ministro Marco Aurélio para acompanhar o Sr. Ministro Relator, indeferindo a medida cautelar.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Senhor Presidente, de minha parte, peço vênia ao eminente Relator e aos que o seguiram para acompanhar o voto do Ministro Marco Aurélio.

Jamais pude ler, nas referências do artigo 37 a servidor público, abrangência para nelas compreender os empregados das empresas estatais.

Por outro lado, fui Relator do acórdão unânime deste Plenário, na Ação Direta 83, invocada pelo autor, e assentou o Tribunal:

A Constituição estadual não pode, como fez a do Estado de Minas Gerais, impor a pessoas de direito privado, posto que integrantes da administração indireta estadual, prestações de natureza salarial, qual o reajustamento progressivo dado a todos os empregados das sociedades de economia mista, empresas públicas e outras entidades de direito privado sob o controle direto ou indireto do Estado, ou a reposição salarial assegurada aos bancários das instituições financeiras estaduais.”

Resumi, na ementa, a Doutrina, então endossada, para honra minha, pela unanimidade da Corte:

No regime próprio das empresas privadas”, imposto pela Constituição aos bancos do Estado, porque sociedades de economia mista que exploram atividade econômica, a determinação do quantum da prestação salarial resulta de três fontes normativas exclusivas: ou decorre da lei, ou de sentença normativa ou do contrato individual ou coletivo de trabalho (nos quais se inserem e a cujo regime obrigacional se submetem as melhorias outorgadas por atos unilaterais do empregador, tenham alcance individual ou geral, como o regulamento de empresa): ora, preceito transitório da Constituição do Estado, que determina reposição salarial — como o que ora se questiona —, em relação às empresas bancárias estaduais, não se legitima como lei material — que, versando sobre salários, matéria de Direito do Trabalho, seria da competência exclusiva da União (CF, art. 22, I) — não substituem sentença normativa, nem caracterizam ato de outorga unilateral de vantagem emanado do Estado-empregador.

Ora, Senhor Presidente, o que vejo de diferença aqui na lei local do Distrito Federal em relação ao texto, então impugnado, da Constituição estadual de Minas é simplesmente que, no caso de Minas Gerais, a tentativa de tratar, de dar disciplina de direito público local à questão salarial de empregados de empresas estatais favoreceria aos empregados, enquanto na lei do Distrito Federal prejudica os trabalhadores.

O artigo 173 da Constituição, no entanto, é via de mão dupla. De um lado, de fato, visa liberar as empresas estatais do regime legal do funcionalismo publico: de outro lado, não só como garantia dos trabalhadores, mas como instrumento do regime, que se quis instituir, de livre concorrência, esse artigo visa também a evitar que empresas estatais sejam cercadas de privilégios que não se outorguem às empresas privadas concorrentes.

Ora, se admitimos teto para o bancário, porque empregado de um banco controlado pelo Distrito Federal, estamos fugindo nitidamente da doutrina fixada pelo Tribunal na Ação Direta 83, e estamos criando, sim, um privilégio em favor do banco estatal na competição com as empresas privadas do mesmo ramo.

Não consigo, Senhor Presidente, interpretar o artigo 173, data venia, como via de mão única, que só se aplicará para impedir que a legislação, sobretudo a legislação local, estenda alguma vantagem de servidor público aos empregados das empresas estatais, mas não quando a lei local discriminar contra os empregados das empresas estatais.

Não o admito, por dois motivos: primeiro, porque a Constituição os pôs como trabalhadores, membros de uma categoria; segundo, porque o tratamento, além de discriminatório em relação a esses empregados, enquanto trabalhadores, é privilegiador de empresa estatal, num ponto, o das relações trabalhistas, em que a Constituição explicitamente vedou o privilégio.

Com essas breves considerações, acompanho o eminente Ministro Marco Aurélio para deferir a liminar, por coerência com a decisão, contra os trabalhadores, de que fui Relator.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO: — Sr. Presidente, alertado pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, lembro-me de que, na ADIn 83-MG, decidimos que a legislação local que concede benefícios salariais não seria aplicável às empresas públicas, às mistas e às autarquias que exercem atividade econômica.

Diante disso, Sr. Presidente, penso que não devo sujeitar os empregados das empresas estatais ao teto, que prejudica, quando, diante da legislação salarial que beneficia, recusei aplicação a esta.

Entendo que a decisão anterior do Supremo Tribunal recomenda, no caso, o deferimento da cautelar, mesmo porque, Sr. Presidente, não sei se a ressalva que fiz seria suficiente para garantir os direitos adquiridos e a irredutibilidade salarial.

Com essas considerações, retifico o meu voto para acompanhar o voto do Sr. Ministro MARCO AURÉLIO.

Defiro a cautelar.



Por tudo o que foi analisado no presente trabalho, em princípio, acredita-se no acerto da decisão da Suprema Corte, pois as empresas estatais sujeitam-se às normas de Direito público aplicáveis à Administração Pública em geral.

Quanto à conclusão apresentada pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, em tese, é das mais consistentes, pois somente há possibilidade de incidência de normas de Direito público, se não caracterizar privilégios para as empresas estatais.

No caso concreto, se a lei introduzir mecanismos obrigando o trabalho em empresas estatais com salários menores que os dos trabalhadores da iniciativa privada, ou seja, criando a mão-de-obra barata para as empresas estatais, o raciocínio do Ministro Sepúlveda Pertence deve ser observado.

Contudo, na situação prática julgada na ADIn n° 787/DF e em outras idênticas, normalmente, os administradores das empresas estatais alegam exatamente o contrário do que afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence, vale dizer, a limitação de remuneração dificulta o recrutamento de pessoal qualificado para os quadros das empresas estatais.

É que o teto constitucional não atinge categorias de trabalhadores que abunda mão-de-obra disponível no mercado de trabalho. Disso decorre que, por exemplo, o executivo de finanças altamente qualificado dará preferência, obviamente, aos bancos privados que não estão sujeitos a limites de remuneração, em vez de optar pelo emprego numa instituição bancária oficial.

Dessa maneira, constata-se que, na faixa do mercado de trabalho com salários equivalentes ao teto constitucional vigora a lei da oferta e da procura em todos os seus termos, constituindo-se, portanto, a limitação remuneratória dificuldades para administrar as empresas estatais, não um privilégio, como afirmado, data venia, pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento da ADIn n° 787/DF. Nesse contexto, não há de se cogitar de criação de privilégios frente ao particular.





7.4 JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST



Na esteira da discussão verificada na Suprema Corte, a respeito da redação original do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, o egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST não chegou a firmar posicionamento único em torno da questão, entendendo, em vários recursos, pela aplicação aos empregados de empresas estatais, das limitações de remuneração previstas na Constituição Federal, como mostram os seguintes exemplos:

Recurso de Revista n° 492092.

Ano: 1998. Primeira Região.

Órgão Julgador: - Quinta Turma.

Fonte: DJ de: 22/03/2002.

Recorrentes: Francisco Augusto Dias Egresa e outros.

Recorrida: Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A - EMBRATEL.

Relator: Juiz convocado Guedes de Amorim.

EMENTA:

RECURSO DE REVISTA. TETO REMUNERATÓRIO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. Os princípios consagrados no artigo 37, e seus incisos, da Constituição Federal aplicam-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, visto que integrantes da Administração Pública Indireta, tendo em vista a referência expressa a esses entes pelo legislador constituinte. Quanto ao disposto no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, referido preceito não pode ser interpretado isoladamente, devendo a sua exegese ser efetuada levando-se em conta a totalidade do sistema constitucional no qual ele se insere. Por isso mesmo, o regime jurídico de direito privado a que se sujeitam as sociedades de economia mista deve ser analisado sempre sob a ótica de sua estreita vinculação com o Poder Público, o que importa na consideração do princípio da supremacia do interesse público e, por via de conseqüência, a aplicação das normas contidas nos incisos do artigo 37 da Constituição Federal. Revista conhecida e não provida.

Esse posicionamento perdurou com outro de conteúdo oposto, também adotado em diversos recursos, no sentido de que os dispositivos constantes do inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal não se aplicam aos empregados de empresas estatais. Veja-se o exemplo:



Recurso de Revista n° 387304.

Ano: 1997. Nona Região.

Órgão Julgador: Terceira Turma.

Fonte: DJ de 24/05/2001.

Recorrente: Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER.

Recorrido: Nelson Olivo Fracaro.

Relator: Juiz convocado Carlos Francisco Berardo.

EMENTA:

RECURSO DE REVISTA - LEI ESTADUAL - EMPRESA PÚBLICA ESTADUAL - SERVIDOR CONTRATADO PELO REGIME DA CLT - PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE SALARIAL - TETO REMUNERATÓRIO - INAPLICABILIDADE DE REDUTOR SALARIAL - Diante do art. 173, § 1º, CF, as empresas públicas que explorem atividade econômica, como no caso, estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhistas. Assim, não se aplica ao recorrido, admitido pelo regime da CLT, o redutor salarial a que fazem referência as Leis Estaduais 9105/89 e 10331/93. Princípio da irredutibilidade salarial. O preceito constitucional (art. 37, inciso XI) diz respeito aos servidores públicos em sentido estrito, sendo que vantagens pessoais não são computáveis para delimitação do teto. Princípio da legalidade que foi observado. Recurso de revista não conhecido.



Com o advento da Emenda Constitucional n° 19/98, incluindo o § 9° ao artigo 37 da Constituição Federal de 1988, pelo visto, a questão ficou pacificada no âmbito do TST. O debate naquele pretório, contudo, prendeu-se ao sentido das modificações introduzidas. De um lado e de outro, pelo que se depreende, afirma-se tratar-se de demonstração cabal da existência e da inexistência na redação original do texto constitucional de qualquer limitação: Vejam-se dois exemplos de julgados, tratando de situações constituídas anteriormente à vigência da EC n° 19/98:

Embargos em Recurso de Revista n° 303617.

Ano: 1996. Primeira Região.

Órgão Julgador: SDI 1.

Fonte: DJ de 27/08/99.

Embargante: Elço Ferreira dos Santos.

Embargada: Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE.

Relator: Ministro José Luiz Vasconcelos.

EMENTA:

EMPREGADO DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. APLICABILIDADE DO ART. 37, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Se dúvidas existiam a respeito da aplicabilidade do inciso XI do art. 37, do Texto Constitucional - teto remuneratório - aos empregados públicos (no caso, os de sociedade de economia mista), estas foram dizimadas com a alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 19, de 04-06-98, onde se acresceu ao artigo 37 o § 9º, de seguinte literalidade: "O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral". Embargos não conhecidos.



Recurso de Revista n° 412840.

Ano: 1997. Primeira Região.

Órgão Julgador: Segunda Turma.

Fonte: DJ de 02/08/2002.

Recorrente: Raulino da Silva e outro

Recorrida: Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE.

Relator: Ministro José Luciano de Castilho Pereira.

EMENTA:

RELAÇÃO DE EMPREGO. EMPREGADO DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. TETO CONSTITUCIONAL. Somente após as alterações advindas da Emenda Constitucional nº 19/98 é que o art. 37, XI, constitucional passou a se referir às empresas públicas e às sociedades de economia mista, limitando sua aplicação aos casos em que tais empresas recebem recursos da Fazenda Pública para cobrir despesas de pessoal ou custeio. Recurso de Revista conhecido em parte e provido.



Pelo longo debate travado no egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST, vê-se que o tema é dos mais polêmicos, contrapondo-se duas correntes principais, uma, tendo como aplicáveis, outra, como inaplicáveis aos empregados de empresas estatais as regras contidas na Constituição Federal de 1988 limitativas de remuneração, o chamado "teto constitucional".

Verifica-se, assim, que o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho - TST segue as premissas traçadas pelas duas correntes jurisprudenciais manifestadas no julgamento da ADIn n° 787/DF, diferenciando-se, apenas, no que diz respeito aos resultados efetivos dos diversos julgamentos, que foram sistematicamente divergentes, sem alcançar-se a pacificação do entendimento sobre o assunto.

8. CONCLUSÕES





Expostas as questões necessárias ao exame do tema proposto, passa-se a abordar os aspectos jurídicos conclusivos da remuneração dos diretores de empresas estatais, frente à legislação que cuida do teto remuneratório dos agentes públicos

A primeira análise feita neste estudo permitiu a constatação de que as empresas estatais desempenham atividades de interesse público, como instrumentos de apoio às atividades estatais, o que distancia essas entidades, embora regidas, também, pelo Direito privado, das empresas privadas comuns, em que o objetivo é o lucro, o retorno do investimento feito.

Em decorrência da natureza pública das empresas estatais, sua gênese, mesmo, verificou-se também a duplicidade de regimes jurídicos aplicáveis às estatais, lançando-se, aqui, a tese de que o Direito privado deve ser observado nas relações com os mercados econômicos em que referidas entidades atuam e o Direito público no âmbito interno da administração das empresas estatais. Não fosse, assim, como bem ressalta Di Pietro (2004, p. 385), haveria mera participação acionária do Estado numa empresa privada, não uma empresa estatal.

Em seguida, verificou-se que o regime da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT não se mostra bastante para classificar os seus destinatários como trabalhadores da iniciativa privada, pois aplicável tanto a trabalhadores da iniciativa privada, como a servidores públicos, além de existirem trabalhadores privados cujas relações não estão sob a sua regência.

Ficou assente, outrossim, que a natureza jurídica da condição de administrador de empresa estatal é de empregado, nos termos do Enunciado n° 269, do egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST, atuando por delegação da autoridade que detém o poder de nomeação, seja diretamente, seja indiretamente, em geral, o Chefe do Executivo.

Outra constatação refere-se à natureza da delegação passada aos administradores, pois originada de poderes limitados conferidos à autoridade que os escolhe e os nomeia (direta ou indiretamente), decorrendo daí, logicamente, que a autoridade com a atuação administrativa limitada por normas de Direito público jamais poderia conferir poderes ilimitados, próprios da iniciativa privada, aos seus agentes delegados. Assim, os administradores de empresas estatais terão, no máximo, os mesmos poderes conferidos ao Chefe do Executivo para administrar o Estado como um todo.

A remuneração, por sua vez, como visto, pode ser fixada de várias maneiras, em planos de cargos e salários, em convenção coletiva ou dissídio coletivo, mediante ato direto do Poder Executivo ou deliberação de órgão colegiado, sendo possível, em determinadas situações, a incorporação da remuneração do emprego em comissão, sob a forma de vantagem pessoal pro labore facto.

A regra de inacumulabilidade de cargos empregos e funções na Administração Pública foi abordada para esclarecer a situação do administrador egresso dos quadros funcionais da própria entidade ou da Administração direta, autárquica e fundacional, adotando-se, comumente, o mecanismo técnico-jurídico de "opção" por uma das duas remunerações.

Nesse cenário, parte-se para enfrentar o problema proposto, qual seja: a remuneração de diretores de empresas estatais sujeita-se aos limites constitucionais?

Pelo que se apurou, a conceituação de emprego público, buscada por Ferreira (2003, p. 87) visou a demonstrar que nem todos os incisos contidos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 se aplicam às empresas estatais, mas apenas os que indicam explicitamente a sua abrangência a tais entidades públicas.

Todavia, data venia, os objetivos do legislador constituinte, ao incluir as empresas estatais sob a égide dos princípios constitucionais estabelecidos nas Disposições Gerais sobre a Administração Pública são bem transparentes, como mostra a exposição feita pelo Relator da Constituinte, Senador Bernardo Cabral, da seguinte forma:

Promovi substancial redistribuição dos dispositivos aprovados em primeiro turno, para compatibilizar seus mandamentos com o princípio constante do título da Ordem Econômica (art. 173, § 1°), que submete as entidades estatais, no tocante às obrigações trabalhistas, ao regime fixado para as empresas privadas, e, assim, obstar desvirtuamento da 'mens legislatoris' em interpretações futuras. Com esse intuito, reuni na Seção I (Das Disposições Gerais) os preceitos que dizem respeito aos diversos segmentos de Administração Pública e aos servidores em geral, independentemente de seu regime jurídico. Na Seção II, agrupei os dispositivos aplicáveis apenas aos servidores civis da administração direta, autárquica e fundacional.



Foi visto, também, que as opiniões sobre o termo "emprego público", comportam questionamentos, havendo respeitável doutrina que considera o empregado de empresa estatal como empregado público, nos termos constitucionais.

Assim, as conclusões de Ferreira (2003, p. 87), de que o artigo 37 faz referência apenas a empregos públicos da Administração direta, autárquica e fundacional, quer parecer, ficam bastante prejudicadas, pois, de forma contraditória, estar-se-ia admitindo a incidência genérica do caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e a limitação de seus incisos.

Em sentido diferente, aliás, destacou-se a opinião de Figueiredo (2003, p. 118), assim:

"Parece-nos, de conseguinte, que, quando a Constituição refere-se a empregos, está a falar precipuamente das empresas estatais, e, além destas, daquela possibilidade de admissão de empregados temporários para a Administração Central, por força de necessidades temporárias, inadiáveis, e de alto interesse público".



Sobre o posicionamento da Suprema Corte, na ADIn n° 787/DF, acredita-se que a razão esteja com a maioria que indeferiu a liminar buscada na referida ação. Nesse mister, a Constituição Federal não pode ser interpretada apenas olhando-se para a literalidade do texto que trata da ordem econômica.

Portanto, a decisão denegatória de liminar proferida na ADIn n° 787/DF guarda conformidade com toda a exposição feita no presente trabalho, acrescentando-se, contudo, as abordagens sobre a duplicidade de regimes aplicáveis às empresas estatais, nas suas relações com os mercados econômicos em que atuam e com o Poder Público que as controlam, assim como sobre a natureza da delegação de poderes feita aos administradores de empresas estatais.

No egrégio Tribunal Superior do Trabalho - TST, por sua vez, a matéria não chegou a ser pacificada, mas os inúmeros julgados dando por aplicáveis aos empregados de empresas estatais as disposições contidas na Constituição Federal de 1988, quanto ao teto de remuneração, seguiu o posicionamento do Pretório Excelso a respeito do tema.

Diante de todo o exposto, constata-se que as hipóteses testadas mostram-se verdadeiras, ou seja:

Se as empresas estatais desenvolvem atividades públicas, sendo, portanto, entidades públicas, embora regidas, também, pelo Direito privado, então, não se pode desconsiderar a sua subordinação ao Direito público;

Se existem diversas categorias específicas de trabalhadores, inclusive servidores públicos, que, assim como os empregados de entidades paraestatais, são regidos pela CLT, e se, por outro lado, a CLT não é aplicável a várias outras categorias de trabalhadores privados, então, ser regido pela CLT não significa ser trabalhador comum da iniciativa privada;

Se, pela natureza das atividades desenvolvidas pela empresas estatais e pela situação peculiar de seus agentes, os empregados de empresas estatais constituem categoria especial de agentes públicos, que, apesar de regidos pela CLT, submetem-se, também, a regras de Direito público, então não vigora para essas entidades, de forma indiscriminada, o princípio de liberdade de ação, dentro da lei, próprio dos empreendimentos privados, mas, sim, o princípio decorrente do Direito público, de que a lei e o interesse público são os elementos norteadores das atividades do Estado;

Se o funcionamento das entidades estatais está vinculado ao que disciplinam a lei e o interesse público e se o mandato de seus diretores são precários e temporários, podendo, inclusive, ser demitidos ad nutum pela autoridade que detém os poderes de nomeação, então, não se pode admitir o pagamento de remunerações ao talante de seus administradores;

Se as remunerações dos empregados de empresas estatais estão condicionadas a regras de Direito público, então, essas regras somente podem ser buscadas na Constituição Federal, que disciplinam o funcionamento da Administração Pública como um todo.

Acredita-se, dessa maneira, que os objetivos propostos para o presente estudo foram alcançados, porque, se:

a) a essência das empresas estatais, como sendo organismos criados pelo Estado para atuação coadjuvante em seus misteres, é de entidade pública;

b) a regência dessas entidades pelo Direito público é aspecto meramente acidental, como ressaltado por Mello (2001, p. 155);

c) por um lado o regime jurídico das empresas estatais é de Direito privado em suas relações com os mercados econômicos em que atuam, por imposição constitucional, visando à proteção do empreendedor particular, por outro, em vista de sua natureza, é de Direito público em suas relações com o Poder que as controla;

d) a submissão a normas de Direito público, em tese, não confere às empresas estatais quaisquer vantagens frente ao particular;

e) em virtude da natureza das empresas estatais, os seus empregados não são trabalhadores comuns, como da iniciativa privada, não sendo bastante o regime da CLT para caracterizar a natureza de empregados privados, pois que aplicável tanto a trabalhadores da iniciativa privada, como a servidores públicos, além de existirem trabalhadores da iniciativa privada não regidos pelas regras da CLT;

f) as relações jurídicas dos diretores das empresas estatais são de empregados ocupantes de cargos de confiança, subordinados direta ou indiretamente à autoridade Chefe do Poder que controla as entidades empregadoras;

g) além das próprias empresas estatais estarem sujeitas a normas de Direito público, a delegação para a sua administração provém de poderes do Chefe do Poder controlador dessas entidades, que, também, são limitados por normas de Direito público.

È lícito concluir que a remuneração dos diretores de empresas estatais não pode ser fixada ao talante dos membros de sua administração. Pelo contrário, a conclusão mais consentânea com toda a pesquisa realizada é a de que está sujeita ao regramento próprio do desempenho de funções públicas.

Nesse sentido, tal limitação é emanada da Constituição Federal, na parte que estabelece o teto de remuneração a ser aplicado na Administração Pública em geral, da qual as empresas estatais, inegavelmente, fazem parte.

Dessa maneira, até o advento da EC n° 19/98, o teto de remuneração era fixado em lei ordinária (Lei distrital n° 237/92, Lei federal n° 8.852/94, leis estaduais em geral), excluindo-se da limitação as vantagens pessoais incorporadas, como, adicionais por tempo de serviço, "quintos" incorporados em virtude do desempenho de cargos, empregos e funções comissionadas etc.

Com a EC n° 19/98, as vantagens pessoais também passaram a integrar a remuneração para fins de incidência das limitações, todavia, os subsídios que serviriam de base para a aplicação do dispositivo constitucional não chegaram a ser definidos, valendo, assim, as regras anteriores.

Recentemente, após a edição da EC n° 41/03, as remunerações na Administração Pública como um todo estão sujeitas ao limite dos subsídios pagos às autoridades mencionadas no inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal de 1988.

No entanto, convém ressaltar, que, a teor do § 9° do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, incluído por meio da EC n° 19/98, o teto constitucional incide apenas sobre as remunerações de diretores de empresas estatais que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.

Fossem outros os objetivos do presente trabalho, poder-se-ia aprofundar a discussão sobre o disposto no § 9° do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, para verificar os seus fundamentos jurídicos, pois decorrente da reforma do Estado implementada a partir de 1995, com atropelo a inúmeros institutos e princípios jurídicos consagrados pela doutrina e pela jurisprudência brasileira.

Contudo, o presente estudo limita-se a extrair do ordenamento jurídico vigente, especialmente, por meio de interpretação dos dispositivos constitucionais aplicáveis, o disciplinamento das relações dos diretores de empresas estatais com o Estado, detentor do controle dessas entidades empregadoras, pelo que basta, para os fins colimados, a referência aos mandamentos contidos na EC n° 19/98.

A repercussão que se espera do presente trabalho fica, portanto, no campo da interpretação e aplicação do Direito Constitucional e Administrativo sobre o tema abordado, visando apenas a contribuir para discussões correntes a respeito do assunto, considerando-se, em especial, a falta de atenção da doutrina administrativista tradicional para o assunto.




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