FICHAMENTO DOS TEXTOS DE ROBERTO AGUIAR, NIKLAS LUHMANN E MARCELO CATTONI
1. CORRELAÇÃO ENTRE OS TEXTOS.
O presente trabalho cuida do fichamento de três textos, de Roberto Aguiar (o primeiro), Niklas Luhmann (o segundo) e Marcelo Cattoni (o terceiro e último).
A primeira parte do fichamento consiste em estabelecer a correlação entre os textos. Para levar adiante essa tarefa, dividimos a primeira parte do fichamento em três: direito e sociedade; direito e Estado; e direito, Estado e sociedade.
1.1 Direito e sociedade
O texto de Niklas Luhmann fornece um quadro de como a relação entre sociedade e direito foi vista ao longo do tempo.
Na tradição doutrinária que precedeu o aparecimento da sociologia do direito, essa relação era concebida de forma mais concreta. O direito era inerente à sociedade. Tratava-se de um dado inevitável. A sociedade, por sua vez, era uma relação de direito ou mesmo um contrato.
Com o surgimento da sociologia do direito, a relação entre sociedade e direito, aos olhos dos estudiosos, adquire caráter mais abstrato. No século XIX, o direito era uma construção social indispensável, mas contingente. A sociologia liberta-se, assim, do jugo do direito natural, desobrigando-se de sair em busca de normas universalmente válidas.
A noção de evolução (no sentido do progresso) é que opera a relativização do direito natural. Nesse contexto, a sociologia clássica do direito compartilha de três premissas básicas: o direito é não mais a própria sociedade, mas a estrutura normativa da sociedade; a relação entre sociedade e direito varia de acordo com a evolução (no sentido do progresso); e tal relação pode ser empiricamente observada em sua variação.
A teoria da sociedade de Karl Marx desloca o eixo da sociedade da política para a economia. Nesse contexto, o desenvolvimento da produção e da satisfação de necessidades acentua as desigualdades sociais. O papel do direito é fixar essas desigualdades, na medida em que ele concede e protege a propriedade. Como o direito está a serviço dos interesses dos proprietários, só uma revolução pode mudá-lo. Em última análise, trata-se de obter uma estrutura jurídica compatível com o nível de complexidade e variabilidade atingido pela sociedade.
Sir Henry Summer Maine vê o desenvolvimento do direito como um movimento do status ao contrato. Nas sociedades antigas, de estrutura familiar ou estamental, o status era concedido de forma diferenciada e sempre concreta. Com o advento da modernidade, o aumento da complexidade dos sistemas sociais faz com que o homem, abstratamente considerado, se torne detentor do direito. E o novo instrumento de distribuição é o contrato. Diversamente, Emile Durkheim entende que as bases do contrato são não-contratuais (sociais). O direito é expressão da solidariedade de uma sociedade. O tipo de solidariedade muda, e com ele o direito. O desenvolvimento da sociedade leva à passagem de um estado de diferenciação segmentária, no qual prevalece uma solidariedade mecânica, a um de diferenciação funcional, regido por uma solidariedade orgânica, o que implica a reestruturação do direito, com a substituição das sanções repressivas pelas sanções restitutivas.
Para Marx Weber, a racionalização, característica mais marcante das sociedades modernas, exige a reformulação do direito. O direito deve perder seu traço material (conteúdo ético, eudemonista ou utilitário) e adquirir qualidades formais (especificação conceitual abstrata e praticabilidade processual ótima). O direito deve, ainda, estabelecer possibilidades abstratamente calculáveis, como forma de assegurar previsibilidade mesmo num ambiente social crescentemente complexo.
Talcott Parsons vislumbra a possibilidade de uma teoria geral da sociologia do direito a partir de Durkheim e Weber, já que ambos põem em relevo a imprescindibilidade da estrutura normativa dos sistemas sociais. Durkheim afirma a autonomia do dever-ser normativo, que integra ordens sociais diferenciadas, ao passo que Weber recorre ao conceito de ação social para descrever a ordem social como uma limitação à contingência de ação. Parsons faz a ligação entre a objetividade do quadro normativo da sociedade de Durkheim e a contingência da ação subjetiva de Weber.
A teoria dos sistemas sociais também enfatiza a relação entre estrutura e desenvolvimento social, mas vai mais longe, ao considerar o direito como simples aquisição evolutiva.
Por fim, Eugen Ehrlich. Assente que o direito deve adequar-se às mudanças sociais, o jurista reputa insuficiente o recurso à jurisprudência conceitual. O direito, tido como a organização fática do comportamento na vida social, é situado na própria sociedade. O direito dos juristas e o direito do Estado ficam em segundo plano em relação ao direito faticamente vivenciado.
Em suma, na sociologia clássica do direito, o direito afasta-se da procura de normas superiores, passando a referir-se à sociedade. Por seu turno, a relação entre sociedade e direito está sujeita a modificações evolutivas (no sentido da elevação da complexidade social) e pode sempre ser empiricamente verificada. O direito assim compreendido é a um só tempo determinante e determinado no processo de desenvolvimento da sociedade.
1.2 Direito e Estado
Do texto de Marcelo Cattoni, pode-se extrair elementos para a compreensão do direito à luz dos paradigmas do Estado Liberal, do Estado Social e do Estado Democrático de Direito.
No paradigma liberal, a sociedade é dividida em sociedade civil (esfera privada) e sociedade política (esfera pública). Ao Estado cabe garantir, com o auxílio do direito positivo, certeza nas relações sociais. A Constituição é o estatuto jurídico-político fundamental do Estado. O princípio da separação de poderes exige que cada poder seja exercido por um órgão estatal diferente. Por outro lado, os poderes relacionam-se uns com os outros mediante um sistema de freios e contrapesos.
O direito, a par de estabelecer os limites, garante a esfera privada de cada indivíduo. Trata-se, assim, de um sistema fechado de regras destinado a estabilizar as expectativas de comportamento na sociedade.
Após a Primeira Guerra Mundial, a sociedade liberal entra em crise e dá lugar ao Estado Social. O Estado intervém na economia com vistas a salvaguardar o capitalismo, mantendo a livre concorrência e a livre iniciativa e compensando as desigualdades sociais. O Estado age direta e indiretamente, prestando serviços e concedendo direitos sociais. Trata-se do Welfare State. A Constituição é o estatuto jurídico-político fundamental não apenas do Estado, mas também da sociedade. O princípio da separação de poderes ganha novo significado, reportando-se agora às funções do Estado.
Enfim, o direito. O direito relido sob o paradigma social consiste num sistema de regras e princípios otimizáveis, que materializam valores fundamentais, e programas políticos realizáveis na medida do possível.
A partir da década de 70, no entanto, o Estado do Bem-Estar Social é alvo de duras críticas, pesando sobre ele acusações de ineficiência e contradição. É quando entra em cena o Estado Democrático de Direito, que quer suplantar tanto o Estado do Bem-Estar Social quanto o Estado do Socialismo Real. Aqueles que idealizaram o Estado Democrático de Direito, diga-se de passagem, o fizeram como instrumento de transição democrática ao socialismo.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é exemplo de constituição que prevê um Estado Democrático de Direito, que visa a superar as desigualdades sociais e regionais com vistas à realização de um ideal de justiça social historicamente construído, mas agora com a participação efetiva da sociedade civil.
1.3 Direito, Estado e sociedade
Feito esse escorço histórico, é chegada a hora de buscar estabelecer, com o apoio das teorias desenvolvidas por Niklas Luhmann, Jürgen Habermas (marco teórico do texto de Marcelo Cattoni) e Roberto Aguiar, como se dá a relação entre direito, Estado e sociedade nos dias de hoje. A toda evidência, essa relação diferirá de autor para autor. Investiguemos, pois, como cada autor enfrenta a questão.
Comecemos por Roberto Aguiar. Nele é patente que a juridicidade não deve simplesmente acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade. Essa visão, típica do positivismo que caracteriza a sociedade liberal, conduz, em última instância, ao monopólio do Estado em se tratando da criação do direito, negando-se ao cidadão tal prerrogativa. O direito é, assim, alijado de uma de suas grandes forças: inaugurar e experimentar práticas, antecipando acontecimentos e abrindo novas possibilidades.
A sociedade é dividida em duas esferas antagônicas: a pública (de proteção dos interesses coletivos) e a privada (de defesa dos interesses particulares). Note-se que a descrição que Roberto Aguiar faz da sociedade liberal se assemelha bastante àquela levada a efeito por Marcelo Cattoni.
Ainda segundo Roberto Aguiar, o direito, por ser expressão das lutas das sociedades, não se restringe à legalidade estatal, encontrando-se, na verdade, em toda parte. O direito positivo padece de grave vício: a inadequação de sua estrutura à velocidade das transformações ocorridas na sociedade. Isso porque a estrutura do direito positivo é piramidal e a sociedade se organiza em teias e redes. A sociedade anda a passos rápidos. As estruturas jurídicas estatais, pesadas e lentas, não têm como acompanhá-la e ficam para trás.
Hoje em dia são criados direitos pela cidadania, pelos movimentos sociais e pela articulação da sociedade civil com as manifestações cidadãs. Com isso, a estrutura vertical do direito positivo vai sendo paulatinamente substituída por relações horizontais entre elementos autônomos.
A gênese normativa é, assim, diferida. A aplicação do direito também. Trata-se de outra dimensão da democracia.
Outro aspecto relevante diz respeito aos desafios a serem enfrentados pelo direito. Duas dificuldades sobressaem: a questão da globalização e o problema da localidade. A primeira refere-se principalmente ao direito ambiental e ainda reclama mecanismos adequados para a solução dos conflitos. Já a segunda guarda relação com a autonomia jurídica do município. O município, conquanto seja o palco por excelência das questões jurídicas, políticas e econômicas, não goza de autonomia jurídica. A solução das controvérsias surgidas no seio da localidade é, assim, cometida ao Estado, que, no entanto, nem sempre é dotado de uma representatividade legítima. Mais uma razão para que o direito seja criado também fora das fronteiras da legalidade estatal.
O direito positivo sofre porque é a expressão de um Estado burocrático, piramidal e corporativo. Hoje em dia, estatalistas e privativistas se digladiam para fazer prevalecer seu ponto de vista. Os primeiros defendem o monopólio do Estado em se tratando de assuntos públicos, repelindo qualquer aceno da sociedade no sentido de atuar nessa área, ao passo que os últimos advogam um Estado mínimo. No fogo cruzado, ficam os cidadãos que desejam exercer sua solidariedade, mas são tolhidos tanto pela esfera pública quanto pela esfera privada (Terceiro Setor).
De outra parte, também o mercado não pode ser visto como um novo deus, como se a única realidade que importasse fosse a econômica.
A resposta para o dilema que aflige a sociedade moderna se encontra nas organizações sociais, que, por sua natureza, são campo fértil para transformações radicais.
São tendências da juridicidade moderna a desformalização (negação do culto à forma), a deslegalização (simplificação legal) e a descentralização (abandono progressivo da verticalidade centralizadora). Nesse contexto, os operadores do direito não podem ficar limitados à atribuição de aplicar a lei, mas devem desempenhar também o papel de criar o direito. Trata-se de uma ampliação da democracia. Por outro lado, deve ser retomada a discussão acerca da valoração no direito, sem que isso signifique uma volta ao direito natural.
O Estado não pode mais ser visto como a expressão da cidadania, mas da publicidade. De igual modo, a sociedade civil não pode mais ser encarada como a expressão do mercado, mas do mercado e da cidadania e, por conseguinte, da publicidade.
Acrescente-se que o Terceiro Setor abre um leque de possibilidades referidas ao direito social. O direito nessa nova chave deve promover o associacionismo, a cooperação e a confiança. Na teoria de Roberto Aguiar, a ênfase recai sobre as organizações sociais e suas relações com o Estado e o mercado.
Passemos a Luhmann. Nele o ordenamento jurídico é dotado de alta complexidade estruturada. A complexidade estruturada, por seu turno, vem a ser a medida em que as possibilidades se excluem ou limitam reciprocamente. A própria estrutura, ressalte-se, tem o condão de aumentar a complexidade do sistema social, nele introduzindo novas possibilidades.
O direito desempenha um papel fundamental nesse processo. De fato, é por meio do direito que se pode alcançar uma complexidade mais alta e estruturada em determinado sistema social. Aqui o autor se depara com uma grande dificuldade: o instrumental de pesquisa disponível é adequado para sistemas de baixa complexidade estruturada ou de alta complexidade desestruturada, mas não para macrossistemas altamente complexos e estruturados.
Nada obstante, o autor propõe-se a resolver o problema da alta complexidade estruturada. Para tanto, a sociologia do direito deve tratar o direito como estrutura de um sistema social.
A função da estrutura de um sistema social é regular a complexidade do sistema. Sociedades simples, por exemplo, possuem um direito relativamente concreto. O desenvolvimento social, por outro lado, traz consigo um aumento na complexidade do sistema. Assim, o direito deve alcançar um grau de abstração cada vez maior, adquirir uma significativa elasticidade conceitual-interpretativa e tornar-se modificável por intermédio de decisões.
Retomemos as idéias centrais da teoria de Luhmann: o direito é estrutura, a sociedade é sistema e a relação entre direito e sociedade é de interdependência recíproca.
Note-se que a teoria em discussão pretende açambarcar a totalidade do fenômeno jurídico, enquanto as demais teorias da sociologia do direito se restringem a aspectos isolados. A chave para isso está num fenômeno não raro desprezado pelos sociólogos do direito: a positividade do direito. Até a modificação do direito é hoje parte do direito. A sociologia do direito, sempre avessa à legislação, não pode mais deixar de atentar para esse fenômeno.
A inevitabilidade da positivação do direito pode ser inferida da mera formulação da questão da adaptação do direito a sociedades cada vez mais complexas. De qualquer sorte, a teoria de sistemas e a teoria social fornecem todas as ferramentas necessárias à apreensão da positividade do direito.
Com Habermas, o processo de modernização é, na verdade, um processo de racionalização, caracterizando-se, entre outras coisas, pela autonomização das esferas normativas (direito e moral) e pelo surgimento dos subsistemas sociais do Estado e do mercado. A sociedade moderna divide-se em mundo da vida e sistemas sociais, que se relacionam entre si.
Nesse diapasão, o direito é o meio pelo qual o Estado e o mercado se institucionalizam no mundo da vida. Mas, o papel do direito não se resume a atender a exigências de subsistemas sociais. O direito é chamado também a lançar as bases para a realização de uma integração social.
A legitimidade das leis modernas, que buscam compatibilizar as liberdades subjetivas, é retirada do processo legislativo, que se justifica no princípio da soberania popular. Em última análise, o direito justifica-se na democracia.
Aplicando essas idéias ao paradigma do Estado Democrático de Direito, Habermas rejeita a opção socialista ou comunista e realça o potencial democrata radical da modernidade. Assim como o poder administrativo, também o poder econômico e a pressão social devem submeter-se ao Estado Democrático de Direito. Por outro lado, a constituição de um Estado que tal deve estabelecer procedimentos políticos para o exercício do direito de autodeterminação dos cidadãos.
A autonomia privada e a autonomia pública não se subordinam uma à outra: são co-originais. Isso porque os destinatários das normas são simultaneamente seus criadores. Os direitos humanos (que são direitos no sentido jurídico) dizem respeito às condições necessárias à criação legítima do Direito e, assim, guardam uma estreita relação com a soberania popular.
O direito é não apenas um sistema de conhecimento, mas também um sistema de ação. Em outras palavras, o direito, além de ser uma forma de conhecimento, ostenta caráter vinculante, e é justamente nisso que reside a diferença entre direito e moral.
Os direitos fundamentais, ou seja, os princípios que tornam possível o processo de legitimação do direito, são o direito a iguais liberdades subjetivas, o direito a iguais direitos de pertinência, o direito à tutela jurisdicional, o direito à elaboração legislativa autônoma e os direitos participatórios.
Agora já se pode comparar as teorias.
Com Luhmann, o direito deve ser entendido como estrutura de um sistema social. Em apertada síntese, o autor sustenta que o direito é estrutura, a sociedade é sistema e a relação entre direito e sociedade é de interdependência recíproca. Não se menciona expressamente o Estado, mas a positividade do direito é tida como a chave para que se abarque a totalidade do fenômeno jurídico. Em outras palavras, defende-se, embora sem referir-se expressamente ao Estado, que a sociologia do direito não pode mais voltar as costas à legislação. O Estado aparece, assim, de forma apenas reflexa na teoria de Luhmann.
Detenhamo-nos agora na afirmação de que o direito deve tornar-se modificável por intermédio de decisões. Nela se vislumbra um ponto de contato com a idéia de Dworkin do romance em cadeia, segundo a qual cada juiz deve buscar decidir como se fosse chamado a escrever, da melhor maneira possível, um capítulo de determinado romance. Cada juiz deve escrever seu capítulo a partir do material que recebeu, mas também deve acrescentar-lhe algo, o que implica admitir que o juiz pode modificar o direito para ajustá-lo a novas circunstâncias.
Diversamente, em Habermas, a sociedade divide-se em mundo da vida e sistemas sociais e o direito é o meio pelo qual o Estado e o mercado – subsistemas sociais – se institucionalizam no mundo da vida. Aqui o Estado adquire grande importância. A legitimidade das leis é dada pelo processo legislativo, que, por sua vez, se justifica no princípio da soberania popular, e, ipso facto, o direito justifica-se na democracia.
Habermas realça no paradigma do Estado Democrático de Direito seu aspecto democrático. De outra parte, a afirmação de que a pressão social deve submeter-se ao Estado Democrático de Direito, bem como a de que a constituição de um Estado que tal deve estabelecer procedimentos para o exercício da cidadania entram em rota de colisão com a teoria de Roberto Aguiar.
Por seu turno, Roberto Aguiar insurge-se contra o monopólio do Estado em se tratando da criação do direito. Para o autor, o direito não pode cingir-se à legalidade estatal porque se encontra, na verdade, em toda parte. O direito positivo é incapaz de adequar sua estrutura às transformações ocorridas na sociedade, tendo em vista que a estrutura do direito positivo é piramidal e a sociedade se organiza em teias e redes. Por essa razão, a estrutura vertical do direito positivo deve ser substituída por relações horizontais. Trata-se de outra dimensão da democracia.
Oportuno lembrar neste momento que Ehrlich situa o direito na própria sociedade (trata-se do direito faticamente vivenciado), relegando a um segundo plano o direito dos juristas e o direito do Estado. A nosso juízo, o posicionamento de Roberto Aguiar não se afasta muito da doutrina de Ehrlich.
Roberto Aguiar mostra-se desiludido com o Estado, tachado de burocrático, piramidal e corporativo, e deposita todas as suas esperanças no Terceiro Setor. As organizações sociais, que, por sua natureza, são campo fértil para transformações radicais, ocupam posição de destaque em sua teoria. Nela a ênfase recai sobre as organizações sociais e suas relações com o Estado e o mercado.
2. INDAGAÇÕES CRÍTICAS
Luhmann sustenta que o direito é estrutura, a sociedade é sistema e a relação entre direito e sociedade é de interdependência recíproca. Embora considere fundamental para a compreensão do fenômeno jurídico a positividade do direito, a teoria de Luhmann, até onde nos é dado concluir, peca por ignorar a questão do Estado ou ao menos não tratar especificamente dela. Uma teoria que se propõe a abarcar a totalidade do fenômeno jurídico não pode prescindir do Estado.
Por outro lado, endossamos as conclusões por ele alcançadas no que se refere à elasticidade do direito.
Em Habermas, a sociedade divide-se em mundo da vida e sistemas sociais e o direito é o meio pelo qual o Estado e o mercado – subsistemas sociais – se institucionalizam no mundo da vida. O autor foi muito feliz ao identificar na soberania popular e, por extensão, na democracia a legitimidade das leis, queremos crer. De fato, o direito só pode justificar-se na democracia, e não numa hipotética norma fundamental ou em normas universalmente válidas.
Ao realçar no paradigma do Estado Democrático de Direito seu aspecto democrático, repelindo a opção socialista ou comunista, Habermas demonstra ainda estar afinado com as exigências do mundo moderno.
Roberto Aguiar não se conforma com o monopólio do Estado em se tratando da criação do direito. Demonstra, ainda, sua frustração com o direito positivo, incapaz de adequar sua estrutura às transformações ocorridas na sociedade. Questiona a legitimidade da representatividade do Estado. Pretende, com isso, fazer que o direito seja criado não apenas pelo Estado, mas também pelos operadores do direito. Defende, ao que nos é dado entender, que os operadores do direito podem, nesse processo, afastar-se da lei. Chama a isso nova dimensão da democracia.
Para nós, trata-se da própria negação da democracia. A soberania popular deve ser respeitada, não podendo ser usurpada pelas pessoas a quem cabe aplicar o direito. Afinal, é a democracia que justifica o direito (Habermas).
A teoria de Roberto Aguiar pressupõe uma separação total entre Estado e sociedade, nos moldes da de Ehrlich. Assim, inteiramente cabível aqui a crítica que Luhmann dirigiu a Ehrlich, no sentido de que o direito da sociedade não pode ser contraposto ao direito dos juristas ou ao direito estatal e a separação absoluta entre Estado e sociedade está superada, tratando, na verdade, de uma diferenciação de papéis e sistemas na sociedade. Aliás, todo o texto, diga-se de passagem, é pautado por uma mal disfarçada desconfiança em relação ao Estado.
Outro problema detectado pelo autor é que a estrutura do direito positivo é piramidal e a sociedade se organiza em teias e redes. Não há, no entanto, nenhuma razão plausível para que o direito se organize obrigatoriamente da mesma maneira que a sociedade, queremos crer. Afinal, direito é estrutura e sociedade é sistema (Luhmann).
Chega a ser ingênua a idealização que o autor faz do Terceiro Setor. (As organizações sociais são impelidas pela generosidade, pela procura de uma cidadania ativa, pelo desejo de expressar indignação, etc.) Para o autor, as organizações sociais são mais comprometidas com a justiça social do que o próprio Estado. A esse argumento objetamos que, tal qual o Estado e a própria sociedade, as organizações sociais também são falíveis.
Por fim, ressalte-se que, a nosso ver, o pensamento de Roberto Aguiar está demasiado preso à realidade brasileira, o que dificulta a formulação de uma teoria geral, aplicável a todas as sociedades. 3. BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Procurando superar o ontem: um direito para hoje e amanhã. Notícia do direito brasileiro. Nova série. Nº 9. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, 2002. CATTONI, Marcelo. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
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